A importância da fiscalização, denúncia e implementação de políticas públicas no âmbito de aplicação da Lei 14.064/20, a “Lei Sansão”
Os maus-tratos a animais, infelizmente, sempre fizeram parte do cotidiano brasileiro. No entanto, a legislação tratava de forma branda tal absurdo. Assim, os agressores, mesmo que denunciados e convocados a prestar esclarecimentos, continuavam livres e impunes, o que inviabilizava a inibição de tal prática violenta.
Recentemente, o caso do cão Sansão, que deu nome à Lei 14.064/20, chocou o país. Sansão, cachorro pitbull de 2 anos, em um ato repugnante de extrema crueldade, foi amordaçado com arame farpado e teve as duas patas traseiras decepadas com uma foice em Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O caso gerou uma revolta justa e necessária. As autoridades tomaram as medidas possíveis de acordo com a legislação ineficaz que vigorava naquele momento, o que tornou ainda mais notória a necessidade da edição de uma Lei que, de fato, punisse os autores de agressões como a cometida em face do animal. Assim, surgiu a Lei Sansão.
A Lei 14.064/20, que aqui se comenta, tratou de uma alteração na Lei de Crimes Ambientais, a Lei 9.605/98, que agora, em seu artigo 32, dispõe de uma qualificadora para os casos de maus-tratos contra cães e gatos. Na redação do artigo mencionado, foi incluído o §1º-A, cuja pena fixada é de 2 a 5 anos de reclusão, multa e proibição da guarda. Ainda, o §2º do mesmo artigo dispõe que a pena será aumentada de um sexto a um terço se ocorrer a morte do animal. Vejamos abaixo a redação na íntegra.
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Fato é que a modificação na Lei de Crimes Ambientais trata de um significativo e necessário avanço, bem como de um meio para a efetiva punição dos criminosos e para a inibição do ato criminoso, que, infelizmente, acontece todos os dias no Brasil.
Com a implementação da nova legislação, se torna possível amenizar a impunidade até então conhecida. Ainda, além de gerar uma maior conscientização da população acerca do problema, proporciona ao cidadão a segurança de que, ao denunciar, algo será de fato feito para salvar o animal e sancionar o agressor, que, anteriormente, seguia impune e muitas vezes praticando maus-tratos em face do mesmo ou de outros animais.
Através de pesquisa rápida à jurisprudência, é possível encontrar decisões que já aplicam a Lei Sansão. À título de exemplo, traz-se à baila trechos de Acórdão proferido pelo TJ-SP em sede de julgamento de Habeas Corpus impetrado por réu preso por atos de abuso e maus-tratos a animais domésticos. Vejamos abaixo.
EMENTA : afRoubo Habeas Corpus – Atos de abuso e maus tratos a animais domésticos e resistência – Decisão fundamentada na demonstração dos pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva – Revogação – Impossibilidade – Insuficiência das medidas cautelares alternativas – Reconhecimento – Pandemia de Covid-19 que não tem o condão de alterar a imprescindibilidade da medida extrema – Alegação de constrangimento ilegal não evidenciada – Ordem denegada.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2020.0000896677
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Criminal nº 2240826-55.2020.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e Paciente [...], é impetrado MM. JUIZ (A) DE DIREITO DO PLANTÃO JUDICIÁRIO – ooª CJ – CAPITAL.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Colenda 5ª Câmara de Direito Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DENEGARAM a ordem de habeas corpus. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este v. Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Excelentíssimos Desembargadores TRISTÃO RIBEIRO (Presidente) e DAMIÃO COGAN.
São Paulo, 31 de outubro de 2020.
CLAUDIA FONSECA FANUCCHI
RELATORA
[...] Voto: 25012 CFF/C
[...] Inviável a concessão da ordem.
Os autos digitais originários dão conta de que o paciente, preso em flagrante, foi denunciado e está sendo processado pela suposta prática dos crimes tipificados nos artigos 32, § 1º-A, da Lei nº 9.605/98, por duas vezes, e 329, caput, do Código Penal, em concurso material, pelos fatos assim textualmente narrados na denúncia [...].
[...] De acordo com os autos, as circunstâncias concretas dos fatos delituosos indicam grau de periculosidade e de insensibilidade moral da parte suplicante e justificam a prisão cautelar, para o resguardo da ordem pública e para garantir a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal, nos termos autorizados pelo artigo 282, incisos I e II do Código de Processo Penal.
[...] Esses aspectos, em princípio e pelo seu conjunto, permitem a denotação de nível de periculosidade incompatível com a confiança que deve ser depositada na pessoa dos detidos que pretendem a mitigação do periculum libertatis, máxime se se atentar que nem mesmo a chegada de uma viatura policial ao local dos fatos obstou a continuidade dos maus tratos aos animais.
E a propósito da argumentação deduzida na impetração, registre-se, ainda, que quando do oferecimento da denúncia, o Ministério Público pugnou pela manutenção da prisão preventiva do paciente, calcada na conduta violenta perpetrada e de seu histórico de maus tratos a animais, tornando descabidas divagações a respeito da suscitada inobservância ao artigo 311, do Código de Processo Penal.
[...] Ante o exposto, DENEGO a ordem de habeas corpus. [...].
(TJ-SP – HC: 22408265520208260000 SP 2240826-55.2020.8.26.0000, Relator: Claudia Fonseca Fanucchi, Data de Julgamento: 31/10/2020, 5ª Câmara de Direito Criminal, Data da Publicação: 31/10/2020).
No entanto, deve-se ter em mente que a edição da Lei não resolve os problemas. É necessário que haja atuação estatal diária no combate à prática, bem como que a população auxilie denunciando nos canais criados para tal.
As associações, ONG’s e protetores independentes têm realizado um trabalho muitíssimo importante de conscientização, de resgate e de cuidado com os animais. Entretanto, a grande maioria desses protetores conta com a ajuda da população através de doações e trabalhos voluntários, tendo em vista que, em regra, não existe repasse de verba pública para custear a subsistência dos animais, menos ainda o tratamento dos que chegam doentes ou machucados para os protetores.
Diariamente, vê-se, principalmente nas redes sociais, a veiculação de pedidos de ajuda, bem como a divulgação de animais em busca de adoção responsável. Os protetores lidam com um grande número de pedidos e resgates, sem qualquer amparo estatal.
Ainda, se torna imprescindível destacar que, além dos casos decorrentes de agressão, o número de animais em situação de risco cresce a cada dia devido aos casos de abandono, sendo o animal deixado à própria sorte, sujeito à possível atropelamento, ficando exposto ao sol, à chuva, entre outras problemáticas.
Embora tal conduta se enquadre no crime de maus-tratos, é, infelizmente, cada vez mais recorrente, tendo em vista a dificuldade de identificação do agente que praticou o ilícito.
Outro fator preponderante no aumento do número de animais em situação de rua é a falta de políticas de castração pública. Os custos para a realização do procedimento oneram os protetores, de forma que as doações precisam custear abrigo, alimentação, medicação e, ainda, entre outros, o procedimento de castração.
Nesse ponto, chama-se atenção para o fato de que, para o efetivo cumprimento do objetivo social da nova legislação, é necessária, além da sanção penal, a atuação estatal. O animal em situação de maus-tratos, uma vez resgatado, seja da rua ou do tutor, precisa ser levado a outro local até que seja adotado, o que forçosamente gera custos e demanda mão de obra humana.
Além disso, hoje em dia não existem, sequer nas grandes cidades, hospitais veterinários públicos para o atendimento desses animais, o que torna extremamente mais complexo o resgate. Coibir os maus-tratos é o primeiro passo de um longo caminho.
Não pairam dúvidas acerca da importante evolução legislativa e social que traz a Lei 14.064/20, no entanto, diante todo o exposto, denota-se a necessidade de que o Estado crie mecanismos de fiscalização e implementação de políticas públicas de cuidado, abrigo e adoção, que viabilizem o factual cumprimento do objetivo final da Lei, que é o bem estar animal.
Recentemente, o caso do cão Sansão, que deu nome à Lei 14.064/20, chocou o país. Sansão, cachorro pitbull de 2 anos, em um ato repugnante de extrema crueldade, foi amordaçado com arame farpado e teve as duas patas traseiras decepadas com uma foice em Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O caso gerou uma revolta justa e necessária. As autoridades tomaram as medidas possíveis de acordo com a legislação ineficaz que vigorava naquele momento, o que tornou ainda mais notória a necessidade da edição de uma Lei que, de fato, punisse os autores de agressões como a cometida em face do animal. Assim, surgiu a Lei Sansão.
A Lei 14.064/20, que aqui se comenta, tratou de uma alteração na Lei de Crimes Ambientais, a Lei 9.605/98, que agora, em seu artigo 32, dispõe de uma qualificadora para os casos de maus-tratos contra cães e gatos. Na redação do artigo mencionado, foi incluído o §1º-A, cuja pena fixada é de 2 a 5 anos de reclusão, multa e proibição da guarda. Ainda, o §2º do mesmo artigo dispõe que a pena será aumentada de um sexto a um terço se ocorrer a morte do animal. Vejamos abaixo a redação na íntegra.
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Fato é que a modificação na Lei de Crimes Ambientais trata de um significativo e necessário avanço, bem como de um meio para a efetiva punição dos criminosos e para a inibição do ato criminoso, que, infelizmente, acontece todos os dias no Brasil.
Com a implementação da nova legislação, se torna possível amenizar a impunidade até então conhecida. Ainda, além de gerar uma maior conscientização da população acerca do problema, proporciona ao cidadão a segurança de que, ao denunciar, algo será de fato feito para salvar o animal e sancionar o agressor, que, anteriormente, seguia impune e muitas vezes praticando maus-tratos em face do mesmo ou de outros animais.
Através de pesquisa rápida à jurisprudência, é possível encontrar decisões que já aplicam a Lei Sansão. À título de exemplo, traz-se à baila trechos de Acórdão proferido pelo TJ-SP em sede de julgamento de Habeas Corpus impetrado por réu preso por atos de abuso e maus-tratos a animais domésticos. Vejamos abaixo.
EMENTA : afRoubo Habeas Corpus – Atos de abuso e maus tratos a animais domésticos e resistência – Decisão fundamentada na demonstração dos pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva – Revogação – Impossibilidade – Insuficiência das medidas cautelares alternativas – Reconhecimento – Pandemia de Covid-19 que não tem o condão de alterar a imprescindibilidade da medida extrema – Alegação de constrangimento ilegal não evidenciada – Ordem denegada.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2020.0000896677
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Criminal nº 2240826-55.2020.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e Paciente [...], é impetrado MM. JUIZ (A) DE DIREITO DO PLANTÃO JUDICIÁRIO – ooª CJ – CAPITAL.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Colenda 5ª Câmara de Direito Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DENEGARAM a ordem de habeas corpus. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este v. Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Excelentíssimos Desembargadores TRISTÃO RIBEIRO (Presidente) e DAMIÃO COGAN.
São Paulo, 31 de outubro de 2020.
CLAUDIA FONSECA FANUCCHI
RELATORA
[...] Voto: 25012 CFF/C
[...] Inviável a concessão da ordem.
Os autos digitais originários dão conta de que o paciente, preso em flagrante, foi denunciado e está sendo processado pela suposta prática dos crimes tipificados nos artigos 32, § 1º-A, da Lei nº 9.605/98, por duas vezes, e 329, caput, do Código Penal, em concurso material, pelos fatos assim textualmente narrados na denúncia [...].
[...] De acordo com os autos, as circunstâncias concretas dos fatos delituosos indicam grau de periculosidade e de insensibilidade moral da parte suplicante e justificam a prisão cautelar, para o resguardo da ordem pública e para garantir a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal, nos termos autorizados pelo artigo 282, incisos I e II do Código de Processo Penal.
[...] Esses aspectos, em princípio e pelo seu conjunto, permitem a denotação de nível de periculosidade incompatível com a confiança que deve ser depositada na pessoa dos detidos que pretendem a mitigação do periculum libertatis, máxime se se atentar que nem mesmo a chegada de uma viatura policial ao local dos fatos obstou a continuidade dos maus tratos aos animais.
E a propósito da argumentação deduzida na impetração, registre-se, ainda, que quando do oferecimento da denúncia, o Ministério Público pugnou pela manutenção da prisão preventiva do paciente, calcada na conduta violenta perpetrada e de seu histórico de maus tratos a animais, tornando descabidas divagações a respeito da suscitada inobservância ao artigo 311, do Código de Processo Penal.
[...] Ante o exposto, DENEGO a ordem de habeas corpus. [...].
(TJ-SP – HC: 22408265520208260000 SP 2240826-55.2020.8.26.0000, Relator: Claudia Fonseca Fanucchi, Data de Julgamento: 31/10/2020, 5ª Câmara de Direito Criminal, Data da Publicação: 31/10/2020).
No entanto, deve-se ter em mente que a edição da Lei não resolve os problemas. É necessário que haja atuação estatal diária no combate à prática, bem como que a população auxilie denunciando nos canais criados para tal.
As associações, ONG’s e protetores independentes têm realizado um trabalho muitíssimo importante de conscientização, de resgate e de cuidado com os animais. Entretanto, a grande maioria desses protetores conta com a ajuda da população através de doações e trabalhos voluntários, tendo em vista que, em regra, não existe repasse de verba pública para custear a subsistência dos animais, menos ainda o tratamento dos que chegam doentes ou machucados para os protetores.
Diariamente, vê-se, principalmente nas redes sociais, a veiculação de pedidos de ajuda, bem como a divulgação de animais em busca de adoção responsável. Os protetores lidam com um grande número de pedidos e resgates, sem qualquer amparo estatal.
Ainda, se torna imprescindível destacar que, além dos casos decorrentes de agressão, o número de animais em situação de risco cresce a cada dia devido aos casos de abandono, sendo o animal deixado à própria sorte, sujeito à possível atropelamento, ficando exposto ao sol, à chuva, entre outras problemáticas.
Embora tal conduta se enquadre no crime de maus-tratos, é, infelizmente, cada vez mais recorrente, tendo em vista a dificuldade de identificação do agente que praticou o ilícito.
Outro fator preponderante no aumento do número de animais em situação de rua é a falta de políticas de castração pública. Os custos para a realização do procedimento oneram os protetores, de forma que as doações precisam custear abrigo, alimentação, medicação e, ainda, entre outros, o procedimento de castração.
Nesse ponto, chama-se atenção para o fato de que, para o efetivo cumprimento do objetivo social da nova legislação, é necessária, além da sanção penal, a atuação estatal. O animal em situação de maus-tratos, uma vez resgatado, seja da rua ou do tutor, precisa ser levado a outro local até que seja adotado, o que forçosamente gera custos e demanda mão de obra humana.
Além disso, hoje em dia não existem, sequer nas grandes cidades, hospitais veterinários públicos para o atendimento desses animais, o que torna extremamente mais complexo o resgate. Coibir os maus-tratos é o primeiro passo de um longo caminho.
Não pairam dúvidas acerca da importante evolução legislativa e social que traz a Lei 14.064/20, no entanto, diante todo o exposto, denota-se a necessidade de que o Estado crie mecanismos de fiscalização e implementação de políticas públicas de cuidado, abrigo e adoção, que viabilizem o factual cumprimento do objetivo final da Lei, que é o bem estar animal.
Sobre o(a) Autor(a)
Isadora Galli de Miranda Lopes , é advogada inscrita na Subseção Vila Velha