Crime de lesão corporal leve, praticada no âmbito da violência doméstica contra a mulher e seus reflexos práticos na vida da vítima
Os crimes de lesão corporal estão elencados no artigo 129 do Código Penal, e especificamente, a lesão corporal leve, está contida no caput do mesmo. Bem se sabe, que em se tratando deste caso, aplica-se a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), tendo em vista seu enquadramento como infração penal de menor potencial ofensivo.
Entretanto, quando adentramos especificamente ao crime de lesão corporal leve, praticada no âmbito da violência doméstica contra a mulher, nos voltamos ao mesmo artigo 129 do Código Penal, porém, ao seu parágrafo 9°, que descreve a situação mencionada.
Assim, podemos estabelecer comparações e diferenciar a lesão descrita no caput do artigo 129 e a lesão descrita no §9° a partir da análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424/DF, que decidiu no ano de 2012, que nos crimes de lesão corporal leve, que ocorrem no âmbito da violência doméstica contra a mulher, a natureza da ação seria a pública incondicionada, além de ter decidido pela inaplicabilidade da Lei 9.099/95 nestes casos, ou seja, não se enquadram como crimes de menor potencial ofensivo, bem como, da mesma maneira, definiu a Súmula n°542, do Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2015, firmando definitivamente tal entendimento.
Ou seja, a partir de então, para início da ação penal, e responsabilização do autor dos fatos, não dependeria mais de representação da vítima, bastando apenas a atuação do Ministério Público. A mulher agredida, agora, não tem mais a necessidade de exercer qualquer posição sobre o ato criminoso, sendo múnus do Promotor de Justiça inaugurar a ação.
Nesse sentido, vemos a distinção estabelecida em que na lesão corporal de natureza leve, presente no caput do artigo 129 do Código Penal, para que seja iniciada a ação penal, deve, como requisito obrigatório, haver representação da vítima.
Ora, com a mudança, tema deste artigo, estamos diante de novos efeitos práticos na vida da vítima, que podem ser positivos ou negativos, existindo duas correntes de entendimento.
Em primeiro plano, vemos o Estado se movimentando para retirar da mulher agredida o pesado encargo de responsabilizar seu agressor, em uma tentativa de “suavizar”, mesmo que de maneira extremamente sucinta, a situação em que se encontra a vítima, afinal, bem se sabe que em diversos casos, mesmo na menor possibilidade da mulher reagir as violações sofridas, a mesma pode sofrer represálias por parte do agressor.
Seria então o Estado zelando pelo indivíduo que teve seus direitos lesados? Analisando a questão, é evidente que a vítima se encontra fragilizada e tem medo de retaliação, como já mencionado. Assim, indaga-se se seria razoável, ou até mesmo justo, estabelecer que a responsabilidade, a “palavra final”, esteja em suas mãos.
Sendo assim, a tutela do Poder Público notoriamente veio trazendo novas perspectivas na vida prática da vítima em situação de violência doméstica, impulsionando a investigação dos crimes ocorridos, a fim de apurar fatos que chegavam em sede policial e não seguiam por um processo legal, justamente pela falta de representação da mulher, buscando o jurista, desta maneira, diminuir índices de impunidade.
Em outra visão, há o entendimento de que o Estado retirou a autonomia da mulher, que agora seria obrigada a perpetuar o sofrimento da agressão, ao passar por uma sequência de atos processuais investigativos, justificando assim que agora a vítima não mais teria o direito de decisão sobre a situação, mas seria impelida a vivenciar todo o curso de uma ação penal.
Fato é que, com tantos índices alarmantes de violência contra a mulher no Brasil, essa medida se mostra mais uma tentativa estatal de frear tamanha violência, transmitindo a mensagem de rejeição a impunidade, assumindo o papel decisivo nas situações em que a vítima não é capaz de exteriorizar sua real vontade, seja por receio de retaliações, ou até mesmo a vontade de perdoar quem lhe causou a ofensa.
Desse modo, o foco deve estar na busca pela melhor condição da mulher agredida, possibilitando que, na prática, a mesma tenha novas chances e oportunidades de se ver efetivamente livre de uma relação abusiva, retirando assim uma responsabilidade que recaia sobre seus ombros, de promover e requerer de fato a ação penal para punição do agressor, havendo, por este lado, a expectativa de mais um passo rumo a uma sociedade que respeite e proteja as mulheres em suas relações, não compactuando com agressões e abusos, deixando ao encargo do Ministério Público a responsabilização, para que ao primeiro sinal de violência física, as medidas investigativas sejam tomadas e consequentemente, se comprovadas, as medidas penalizadoras sejam imputadas ao agressor, cumprindo assim o Estado, através da justiça, com o seu papel garantidor de igualdade, promovendo o respeito e a paz.