O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TRÂNSITO DE PENALIDADE DE CANCELAMENTO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR
Resumo: O presente artigo científico busca abordar a aplicação do princípio do contraditório no âmbito do Direito Administrativo de Trânsito, especificamente no que concerne ao processo administrativo para apuração e aplicação de penalidade de cancelamento de permissão para dirigir, e a consonância disto ao princípio do devido processo legal, face aos entendimentos doutrinários e jurisprudências recentes do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Para isto apresenta-se de forma explicativa os conceitos principiológicos a partir da visão da doutrina, suscintamente a explanação do que se trata a penalidade em comento, também de forma pragmática as ementas dos mais recentes julgados do tribunal referenciado, elementos estes utilizados como vias de demonstrar o resultado pretendido. Utilizou-se, para o desenvolvimento desta presente pesquisa, o método dedutivo, possibilitado pela pesquisa bibliográfica.
Palavras-Chave: Administrativo; Contraditório; Processo; Penalidade; Transito;
Abstract: This scientific article seeks to address the application of the adversarial principle within the scope of Administrative Traffic Law, specifically not concerning the administrative process for applying the drive permiss cancellation penalty, and the consonance of this with the principle of due legal process, in light of the understandings doctrine and recent jurisprudence of the Espírito Santo State Court of Justice. For this purpose, the principiological concepts are presented in an explanatory way from the point of view of the doctrine, succinctly explaining what is the penalty in comment, also pragmatically as menus of the most recent court judgments referenced, elements used as demonstrate the desired result. The deductive method was used for the development of this research, made possible by bibliographic research.
Keywords: Administrative; Contradictory; Penalty; Process; Traffic.
1. INTRODUÇÃO
Contemporaneamente, o direito de trânsito, detêm uma grande importância na sociedade, tendo em vista que é o que promove a locomoção das pessoas para diversas partes da geografia transitável. Embora o principal o objetivo deste seja regulamentar a locomoção de veículos e pessoas, o mesmo é possuinte de uma segunda característica apontável, que é a promoção do exercício laboral diretamente relacionado com a locomoção e o transporte de bens e pessoas.
Vislumbra-se que no direito de trânsito, faz-se necessário normas regulamentares, que detém como objetivo a justa atribuição de verificar e garantir que o exercício deste direito esteja em sintonia com os ditames legais, constitucionais e infraconstitucionais, bem como em consonância com todo o ordenamento jurídico.
As normas que regulamentam o direito de trânsito, impõe certos limites legais, que podem ser verificadas através das infrações de trânsito, capítulo vastamente descritivo no Código de Trânsito Brasileiro, bem como suas respectivas punições cabíveis, podendo citar por exemplo a multa, a suspensão e cassação da CNH, e o objeto em discussão o cancelamento da permissão para dirigir.
Destarte havendo considerado a importância do direito de trânsito, bem como suas atribuições no ordenamento jurídico, emerge a questão acerca do cancelamento da permissão para dirigir, se é devido a aberta de processo administrativo para aplicação do mesmo, ou se é dispensável a observância do devido processo legal, e será apresentado no corpo do artigo entendimento favorável o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Isto posto, buscou-se apresente o cancelamento da permissão para dirigir como uma penalidade, e portanto para sua aplicação verificou-se fazer necessário a abertura de um processo administrativo, para apuração e aplicação da mesma, e se para tanto devem ser respeitados todos os preceitos constitucionais, sobretudo o princípio do devido processo legal e o corolário do contraditório e da ampla defesa.
No bojo desta obra fundamentou-se o entendimento, através da metodologia de pesquisa que envolveu a busca de posicionamentos doutrinários, utilizando-se de renomados autores sobre os temas debatidos, artigos científicos e para resultado empírico as jurisprudências do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
As bases principais doutrinárias presentes no artigo, no concernente aos ditames constitucionais, são a princípio Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco e Luis Roberto Barroso para expor os princípios materiais do direito constitucionais em si, bem como no que tange com ênfase no princípio do contraditório e ampla defesa, corolário do devido processo legal.
Os primeiros dois autores mencionados, em sua obra, possui grande elucidações no que se trata de princípios constitucionais a serem utilizados o que agregará melhor compreensão das jurisprudências a serem exemplificadas. O segundo autor, possui uma das melhores obras atualmente para analisarmos o direito constitucionais e os princípios em debate, em consonância com tudo o que for pertinente a ser tratado neste diapasão, considerando sua vasta experiência como Ministro do Supremo Tribunal Federal.
No que se passa a analisar o direito processual o artigo possui como principal bases doutrinária a obras de Antônio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco, que considerando os ensinamentos possui um foco maior no que se trata das origens processuais, consonância com os ditames constitucionais e pressupostos de existência. Destarte também no que se restringiu ao processo administrativo e o direito administrativo, com maior especificidade necessária utilizou-se o renomado doutrinador José dos Santos Carvalho Filho e Fernanda Marinela.
Também se utiliza como base conceitual, o livro de Alexandre Matos que em sua obra “Nulidades dos atos administrativos de trânsito”, pode-se verificar um dos maiores fatos geradores da nulidade dos processos de aplicação de penalidade de trânsito, qual seja a inobservância do devido processos legal. Seguindo este entendimento, é de suma importância a demonstração do posicionamento do autor mencionado, também para as devidas e necessárias elucidações acerca da penalidade em si e seu fato gerador.
Neste diapasão, utilizando-se deste referencial teórico retro mencionado, bem como do entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, buscou-se demonstrar o posicionamento favorável acerca do tratamento do cancelamento da permissão para dirigir como penalidade, bem como consequentemente a necessária instauração do processos administrativo, em consideração ao princípio do contraditório e da ampla defesa, corolário do devido processo legal.
2. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA COMO DIREITO FUNDAMENTAL
O Estado Democrático de Direito é fundado sob a égide de garantias constitucionais, que se desenvolveram ao longo de diversas transformações e transpassaram-se por gerações. Este avanço constitucional que pode ser vislumbrado na contemporaneidade é o resultado da afirmação destes direitos fundamentais e são o arcabouço da vigente Constituição Federal de 1988 (MENDES; BRANCO 2018).
Considerando um panorama histórico do Brasil, observa-se o esforço dos legisladores à época em aperfeiçoar as normas e garantias constitucionais, a partir da Constituição do Império de 1824, para a posterior Constituição Republicana de 1891, a de 1934, A Constituição do Estado Novo de 1937, seguindo em 1946, 1967 para finalmente chegar na atual promulgada em 1988 (PAULO; ALEXANDRINO 2019).
Analisando os esforços empreendidos desde o constitucionalismo clássico até o contemporâneo, para uma apuração dos direitos fundamentais atingindo a forma que se tem disposta atualmente no universo jurídico, admite-se portanto que todas as demais normas possuem viés diretamente ligado aos preceitos da ciência do direito constitucional, ou seja, todas as normas parem de princípios oriundos das garantias fundamentais (BARROSO, 2010).
Acerca deste panorama a afim de agregar uma sucinta classificação e para introdução da questão relativa aos direitos fundamentais é prudente colacionar as elucidações de Bernardo Gonçalves Fernandes:
Já na abertura do texto constitucional de i988, o constituinte se preocupou em destacar, no seu título 1, o que chamou de princípios fundamentais - ou conforme a doutrina de Canotilho, os princípios estruturantes - da Constituição. Esses princípios são responsáveis pela organização da ordem política do Estado brasileiro, demarcando teórica e politicamente o pensamento e as convicções da Assembleia Constituinte. (2017, p. 289).
Desta forma pode-se entender que os direitos fundamentais, no Brasil, estes que foram aperfeiçoados durante um longo processo histórico são possuintes de imensurável relevância no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que estes são os que asseguram o exercício de direitos sociais, individuais, garantem a segurança e a liberdade, conforme se nota no preâmbulo da nossa atual Carta Magna (MENDES; BRANCO 2018).
Nesta esteira pode-se identificar portanto que os direitos fundamentais, além de normas com previsão de liame constitucional, exercem na sociedade funções reguladoras e garantidoras sobre as relações jurídicas, não importando se estas são de origem privada ou pública, abarcando todas as ações do três poderes, em procedimentos e atos judiciais ou administrativos (BARROSO, 2010).
Neste diapasão, admite-se portanto que os direitos fundamentais devem ser observados nos processos judiciais e administrativos, considerando ainda que dentre às cláusulas pétreas consubstanciadas no bojo do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, encontra-se o corolário do direito do contraditório e da ampla defesa (PAULO; ALEXANDRINO, 2019).
Assumindo portanto que o princípio do contraditório e da ampla defesa, trata-se de um direito fundamental aos litigantes dos processos judicias e administrativos, introduz-se no corpo deste artigo a seguinte consideração do Ministro Marco Aurélio:
Doutrina e jurisprudência são unânimes na exigência de que a cassação ou revogação dos atos administrativos benéficos sejam precedidas da oitiva do interessado, em atenção aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, corolários da cláusula do devido processo legal (2015, p. 234).
Desta forma é claro e evidente através da disposição constitucional, bem como por meio das elucidações do Ministro supramencionada, que é dever do julgador que a observância do princípio do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo, sob pena de grave violação ao devido processo legal, que terá seu devido aprofundamento no próximo capítulo.
No sentido da obrigatoriedade da observância constitucional, evoca-se a origem que impõe tal consideração, isto é o princípio da interpretação conforme a constituição, onde é estabelecido que nos casos de aplicação das leis infraconstitucionais, os julgadores devem de forma técnica atribuir entendimento aos mecanismos de forma completamente adequadas aos ditames constitucionais (BARROSO, 2010).
Afirma ainda Barroso (2010), que este princípio, conforme mencionado em momento anterior, traduz ainda a ideologia da constitucionalização do Direito, onde ocorrendo a repercussão sobre os três poderes, o legislador impõe que o sejam observados os limites, mas também a promoção das finalidades atribuídas às normas constitucionais.
Diante destas considerações sobre o que se refere, ao arcabouço constitucional, bem como tratando-se que princípio do contraditório e da ampla defesa é possuinte de característica indispensável no ordenamento jurídico e possui como atribuição o direito fundamental, cabe portanto buscar conceitua-lo e fazer os necessários apontamentos e sua aplicabilidade no direito (MENDES, BRANCO 2018).
Em âmbito do direito administrativo o princípio do contraditório e da ampla defesa pode ser compreendido como o direito fundamental que, garante aos litigantes do processo judicial e administrativo, não somente o acesso à informação, mas também todos os meios possíveis de defesa e recursos que a lei os dispõe, conforme elucida Celso Antônio Bandeira de Melo:
“[...] antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e defesa ampla, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas. Ou seja: a Administração Pública não poderá proceder contra alguém passando diretamente à decisão que repute cabível, pois terá, desde logo, o dever jurídico de atender ao contido nos mencionados versículos constitucionais (2010, p. 119).
Conforme denota-se acima, a observância do contraditório e da ampla defesa, trata-se de um dever jurídico de que seja possibilitado ao litigante apresentar recursos e meios de defesa, a fim de que seja atribuído à questão momentaneamente discutida a versão dos fatos e demais fundamentos, a fim de confrontar aquilo que possivelmente lhe será imutado para garantir o direito de defesa.
Bernardo Gonçalves Fernandes (2017) assegura que na atualidade o princípio do contraditório e da ampla defesa, é também a garantia de que na instrução processual ocorra uma variante do princípio da igualdade, pois ao permitir que os disputantes apresentem à lide aquilo que lhes é oportunizado como meios de defesa, garante-se que ocorra um equilíbrio entre as partes.
Neste sentido pode-se perfeitamente compreender a formalização da igualdade nos processos e procedimentos, haja vista que esta consiste em tratar de maneira igual aqueles que se encontram em posição equivalente, e maneira desigual na medida de suas desigualdades, tanto o legislador como o julgador no caso concreto (PAULO; ALEXANDRINO, 2019).
Isto se dá porque em uma instrução processual, pode-se comparar que de um lado da lide existe alguém que admite ser o detentor de um direito, exigindo sua aplicação no caso em concreto, sendo que de outro lado, outrem a princípio está em posição de desvantagem quanto ao primeiro pois ainda não apresentou sua defesa, situação que fica evidentemente gravosa se este direito de contraditório for cerceado, caracterizando portanto uma imensurável desigualdade de tratamento das partes no processo ou procedimento (FERNANDES, 2017).
Este entendimento é observado por exemplo nos processos administrativos que independe da obrigatoriedade técnica necessária na postulação exigida em processos judiciais, sem prejuízo portanto de qualquer pessoa que detenha participação em processos administrativos possuam a capacidade de produzirem os meios de provas, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante 5.
Admite-se que em alguns ritos e procedimentos, o direito do contraditório não é considerado como regra absoluta, haja vista que em determinadas situações conflita-se outros direitos fundamentais, citando-se a situação de urgência, onde essa prerrogativa do litigante é postergada para que situação mais gravosa não ocorra no dado momento (MELLO, 2010).
Menciona-se também a ocorrência disto dentro dos inquéritos em modo geral, onde o princípio do contraditório não é considerado em sua forma mais completa, entretanto nos dois casos não se pode considerar a instrução probatória perquirida, como fundamentação exclusiva, para sentença ou decisões definitivas sejam elas judicias ou administrativas (MENDES, BRANCO 2018).
Corroborando com este entendimento cita-se as elucidações do renomado doutrinador constitucional Luis Roberto Barroso, que menciona como exemplo prático uma situação onde foram necessárias as repetições atos onde não foi observado o contraditório:
[...] nos processos de perda de mandato instaurados na Câmara dos Deputados, ao longo de 2005 e 2006, o Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, determinou a observância do devido processo legal e o respeito à ampla defesa, invalidando decisões e impondo a repetição de certos atos. Mesmo diante do clamor público - ou, pelo menos, do clamor da imprensa -, a Corte fez prevalecer o respeito aos direitos fundamentais, que estavam sendo atropelados por deliberações majoritárias (2010, p. 234).
Neste viés portanto, considerando todo o acervo bibliográfico e citações pertinentes, identifica-se e conceitua-se o princípio do contraditório, corolário este oriundo de uma interpretação originária dos preceitos fundamentais constitucionais, onde sua não observância gera grande ameaça ao estado democrático de direito, e sua não aplicação pratica pertinente acarreta em nulidades absolutas das decisões (FERNANDES, 2017).
3. PROCESSO ADMINISTRATIVO E O DEVIDO PROCESSO LEGAL
Conforme as elucidações aristotélicas, compreende-se a necessidade do ser humano possuir uma vida social e política. Para fins de conservação da própria espécie, bem como pelo seu desenvolvimento, é natural o surgimento desta tendência que é o arcabouço da criação do que se entende fictamente como sociedade (ALVIM, 2018).
Evidente que a partir da formação e do convívio da sociedade, seria natural que em contrapartida fossem gerados os conflitos interpessoais, e consequentemente os grupos de indivíduos fossem forçados a buscar formas de soluções, conforme pode-se abstrair segundo os renomados doutrinadores Antônio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pelegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco (2015), vejamos:
Nas fases primitivas da civilização dos povos inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares; por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). (2015, p. 41).
O fato histórico acima mencionado, conforme os doutrinadores retro mencionados, deriva-se de um período da sociedade onde ainda não existia um Estado, e quiçá o processo, e a forma de realização da justiça advinha da chamada e conhecida autotutela, onde o próprio individuo buscava a realização da mesma, e portanto também é classificado este meio como vingança privada.
Posteriormente com a evolução cognitiva da sociedade, optou-se por eleger o Estado-juiz para resolução de seus conflitos interpessoais, atribuindo ao mesmo o poder de jurisdição, e para tanto houve o surgimento do processo. Diante disto, é possível conceituar o processo como o instrumento por onde o Estado exerce sua jurisdição, esta última é o poder do Estado-juiz em decidir e aplicar o Direito (ALVIM, 2018).
A jurisdição brevemente conceituada acima é considerada um dos pressupostos de existência do processo, doutrinariamente aceito, haja vista que considera-se a premissa de que se quer é possível originar um processo sem que este esteja diante de um órgão jurisdicionado, ou seja, com gozo de pleno poder suficiente e soberano para o exercício da jurisdição. (BUENO, 2014).
Diante disso, com o surgimento do processo os litigantes outorgam seu poder de decisão, ao Estado-juiz, onde respeitadas uma serie de preceitos e princípios, se obtém um resultado com força de fazer valer aquilo o que fora decidido através deste instrumento com soberania e autoridade (CORREIA, 2009).
Compreendendo os breves deslindes históricos acerca da jurisdição e do processo, é possível portanto deslocar a discussão para a seara administrativa, no que concerne aos processos desde liame, considerando que tratou-se de uma evolução que aconteceu posteriormente à desenvoltura do processos penal e cível nesta ordem (CINTRA; PELEGRINI; DINAMARCO, 2015).
O processo administrativo exerce um papel de suma importância da atuação estatal, e possui objetivos inerentes à sua própria existência, seja como um mecanismo de documentação e transparência de atividades, de controle e fiscalização, fundamentação de uma conduta, legitimação da atividade administrativa, bem como instrumento para inibir as condutas arbitrárias, defesa e segurança jurídica (MARINELA, 2019).
Para fins teóricos é prudente fazer uma breve distinção, no que se conceitua como processo administrativo e procedimento administrativo, haja vista que o primeiro conforme explicitado acima detém os retro mencionados objetivos e se desenvolve por meio de atos que ensejam uma finalidade, este rito por onde a administração transita para atingir os fins necessários se denomina como procedimento (CARVALHO, 2018).
Realizada esta breve distinção, retoma-se ao final das palavras elucidativas de Fernanda Marinela (2019) onde ficou evidenciado que um dos objetivos do processo administrativo é o exercício da defesa e da segurança jurídica, ponto crucial para toda a desenvoltura deste artigo, menciona-se na íntegra a exegese da renomada doutrinadora:
Representa elemento importante para a segurança jurídica e deve ser praticado conforme o modelo constitucional. [...] É uma certeza a mais da Democracia realizável pelo Direito, ao garantir ao homem que a justiça pelas próprias mãos é desnecessária porque o Estado a fará por meio do processo, justificando sua própria existência. Sob este prisma, o processo também é utilizado como mecanismo de defesa, quando, frente a todas as considerações anteriores, ele serve para defender os administrados e os próprios servidores públicos das arbitrariedades dos administradores (2019, p. 1017).
Nesta esteira para José Santos Carvalho Filho (2017) na subcategorização do processo, adentrando na seara específica onde a função é administrativa, na relação jurídica a transformada dentro do processo administrativo, são inafastáveis as qualidades atribuídas ao conceito de processo de forma ampla, e consequentemente está diretamente atrelado às garantias constitucionais do devido processo legal, logo infundido está o objetivo do processo administrativo ser como mecanismo de defesa, e somente assim poderá atingir seu objetivo de garantia de segurança jurídica.
Diante disso, não se pode olvidar que o devido processo legal não se restringe, ou está limitado, tão somente ao exercício do contraditório e da ampla defesa, mas existem necessárias observâncias para sua plena aplicação, conforme prudente apresentar da palavras de Ricardo Marcondes Martins, que demonstram com maestria o tema:
Há, no entanto, princípios inerentes ao devido processo legal, necessários para a justiça do processo, tais como a imparcialidade e o juiz natural, que não regem a função administrativa nem são aplicáveis ao processo administrativo por determinação expressa da Constituição. Referidos princípios só serão aplicáveis ao processo administrativo se a este for aplicado o princípio geral do due process of law. Daí indagar-se se esse alicerce maior do processo jurisdicional aplica-se ao processo administrativo (2004, p. 51).
Nesta esteira é possível compreender uma gama de garantias constitucionais no bojo do art. 5º da Constituição Federal de 1988, no que se refere ao princípio do devido processo legal, contudo limita-se para a seara dos processos administrativo, até porque encontra-se neste escopo uma variedade exclusiva à aplicação dos processos penais e cíveis, que não se pode encontrar uma aplicação prática nesta seara administrativa (CINTRA; PELEGRINI; DINAMARCO, 2015).
Neste ponto realizada a ressalva de que, o princípio aqui tão aclamado possui uma variada gama de facetas, retoma-se ao objetivo do direito de defesa, demonstrado como objetivo do processo administrativo. Logo no decorrer do processo administrativo, admite-se que somente se concretiza a aplicação constitucional do devido processo legal quando observado o direito ao contraditório e da ampla defesa (CARVALHO, 2018).
Destarte para MARINELA (2019) a máxima de que a observância do princípio do contraditório e da ampla defesa, estão diretamente relacionados que para a justa aplicação do princípio do devido processo legal, e é indiscutível que nesta relação jurídica o administrado detém o direito de participar, sendo isto fundamental para a garantia da plena justiça.
Portanto a não observação do devido processo legal, em âmbito dos processos administrativos, constitui uma mácula de cume constitucional, sendo até mesmo insanável e culmina na nulidade de todo o processo, tendo em vista que esta matéria é de plena aplicabilidade e norteia todos os procedimentos derivados da Constituição Federal de 1988, e sendo o princípio do contraditório e da ampla defesa oriundo deste corolário, sua não observação em seara administrativos enseja também nulidade absoluta (CARVALHO, 2018).
4. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TRÂNSITO E A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
O processo administrativo de trânsito é o instrumento por onde a Autoridade de Trânsito averigua suposta de violações à legislação de trânsito pela prática de ações do condutor ou proprietário do veículo, e a devida aplicação das penalidades aplicáveis pelo Código de Trânsito Brasileiro (AMARAL; GOMES, 2018).
Brevemente é necessário que se faça uma distinção sobre a Autoridade de Transito e o Agente de Trânsito. Compreende-se que o quando se refere a autoridade máxima do órgão ou entidade do poder executivo competente para aplicação de penalidades, cita-se por exemplo o DETRAN que é a autoridade máxima em âmbito estadual, trata-se da autoridade de trânsito, já a figura do agente de trânsito trata-se da pessoa que realiza o policiamento ostensivo ou patrulhamento (MATOS, 2019).
Na visão do doutrinador Alexandre Matos (2019), pode-se concluir que a autoridade de trânsito exerce sua atividade por meio dos agentes de trânsito, embora não se confundam em campo teórico em termos e conceitos, podendo também ser exercida por meio de equipamentos eletrônico.
Realizada esta pequena distinção, pode-se portanto apontar que o processo administrativo de trânsito para aplicação de penalidades, tem seu início nos procedimentos inicias tomados pelo agente de trânsito em via pública, qual seja momento da lavratura do auto de infração (GOMES, 2020).
No que é concernente à retro mencionada autuação, traz-se à baila as elucidações do doutrinador Alexandre Matos, onde com maestria é possível corroborar o entendimento acima demonstrado:
A autuação é o ato administrativo pelo qual a Administração Pública registra a infração de trânsito, conforme a tipificação prevista em lei. Tal procedimento é configurado com a lavratura do auto de infração de trânsito. Contatando-se a infração, por meio dos agentes da autoridade de transito ou por equipamentos eletrônicos, procede-se com a lavratura do auto de infração e dá-se início ao processo para aplicação da penalidade (2019, p. 51).
A partir da lavratura do auto de infração, realizado pelo agente de trânsito, encontra-se o ponto de partida pelo qual irá se desenvolver todo o trâmite do processo administrativo de trânsito, que obedecendo os trâmites legais deverá proceder com as notificações para apresentação de defesa e recursos cabíveis e apurar eventuais penalidades cabíveis (AMARAL; GOMES, 2018).
Destarte as penalidades de trânsito sempre são resultados dos fatos originados pelas infrações, e são aplicadas de acordo com a gravidade estabelecida plenamente de acordo com as possibilidades legais, e dentro do ordenamento jurídico de trânsito são existentes as penalidades administrativas de advertência, multa, suspensão do direito de dirigir, cassação, cancelamento da permissão e frequência obrigatória em curso de reciclagem (GOMES, 2020).
Neste diapasão é prudente citar novamente os doutrinadores Ordeli Savedra Gomes e Josimar Campos Amaral (2019), para que fique esclarecido o mérito pontual desde capítulo, que detém desenvoltura direcionada à penalidade de cancelamento da permissão, portanto para melhor conceituação em específico vejamos:
Quando se tratar da não obtenção da Carteira Nacional de Habilitação em razão da falta de observância do previsto no §3º do art. 148 do CTB, ou seja, quando houver o cometimento de infrações de trânsito de natureza grave ou gravíssima ou reincidência em infrações de natureza média no curso dos doze meses da Permissão para Dirigir (2019, p.88).
Nesta esteira portanto é entendido que o cancelamento da permissão para dirigir, trata-se de uma penalidade onde o infrator comete infrações de trânsito de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infrações de natureza média no curso dos dozes meses da permissão para dirigir, devendo portanto a devida instauração do processo administrativo para ser aplicada, com a plena observância ao princípio do devido processo legal (MATOS, 2019).
Realizadas todas estas explanações contidas nos posicionamentos doutrinários, acerca deste instituo presente no Direito de Trânsito, apresenta-se os julgados mais recentes sobre o tema no Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que tem se posicionado em plena consonância com este entendimento.
Para início das análises jurisprudenciais, ressalta-se que o entendimento aqui apresentado é de debate atual, comumente gerando discórdia nas sentenças prolatadas em primeiro grau, haja vista que colaciona-se a recentíssima decisão do Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior no julgamento da apelação do processo n. 0020080-60.2013.8.08.0024:
Para a imposição de multa e aplicação da pena em razão da infração de trânsito, é necessária a notificação da autuação, de modo que o cancelamento da permissão de dirigir contraria a Súmula nº 312 do STJ (Espírito Santo, 2021a).
Apresenta-se também trecho do julgamento da Apelação realizado na Ação de Indenização c/c Indenizatória de Trânsito n. 0000511-04.2013.8.08.0047, onde o Desembargador Relator Manoel Alves Rabelo, reconhece o cancelamento da permissão como penalidade e com sabedoria entende a devida aplicação dos preceitos constitucionais, reconhecendo a nulidade da aplicação da mesma por inobservância do devido processo legal, vejamos:
O cancelamento da Permissão para Dirigir deve vir precedido de regular processo administrativo, com a observância do devido processo legal e de todas as garantias constitucionais dele decorrentes, a exemplo do contraditório e da ampla defesa. 3. A jurisprudência é firme quanto à necessidade de notificar o processado acerca da instauração do procedimento administrativo de cancelamento da permissão para dirigir, bem como de notifica-lo a respeito da penalidade a ser imposta (Espírito Santo, 2018b).
Na mesma linha de raciocínio, no bojo do acórdão que julgou a Apelação nº 0034146-79.2012.8.08.0024, o Rel. Des. Jorge Nascimento Viana proferiu a seguinte fundamentação:
Antes de impor qualquer sanção aos administrados é dever do Poder Público dar ciência da instauração de procedimento tendente à limitação de direitos e assegurar meios de manifestação no procedimento, respeitando-se, assim, ao devido processo legal [...] A autarquia estadual somente consegue demonstrar a regularidade com relação a primeira notificação, pois, não há comprovação da notificação em relação a aplicação da penalidade administrativa nem quanto à instauração do procedimento para cassação da permissão para dirigir, reconhecendo a nulidade dos procedimentos (Espírito Santo, 2017c).
Percebe-se que entre os julgados é existente uma homogeneidade, demonstrando posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, quando se trata das principais características que circundam o objetivo que se aponta a perceber, tornando-se de forma cristalina a exposição de que incorre em grande violação dos preceitos constitucionais os atos da autoridade de trânsito no viés da desconformidade com o devido processo legal.
Traz-se à tona que qualquer violação aos preceitos constitucionais, trazem plena nulidade ao processo administrativo, em qualquer fase do procedimento, porque este não pode receber tratamento divergente dentro do ordenamento jurídico, senão a conformidade com os princípios estabelecidos da Carta Magna de 1988, corolários do devido processo legal e contraditório e ampla defesa (CARVALHO FILHO, 2017).
Qualquer ato administrativo, que não esteja em conformidade com os preceitos constitucionais, estão dotados de nulidade absoluta e insanável, conforme pode ser observável no corpo do acórdão que julgou o pleito da ação anulatória na Apelação nº 0004800-49.2013.8.08.0024, através dos louváveis argumentos do Rel. Des. Fernando Estevan Bravin Ruy:
Reconhecida a ilegalidade da aplicação da penalidade de infração de trânsito e de cancelamento do direito de dirigir, vez que o apelado não foi notificado da autuação ou mesmo da instauração do procedimento administrativo para cancelamento de sua permissão, patente o desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal, o que enseja a nulidade do processo administrativo (ESPÍRITO SANTO, 2016d).
Novamente no escopo que se debate acerca do processo administrativo de trânsito, para aplicação de penalidade de cancelamento da permissão para dirigir, o Rel. Des. Ronaldo Gonçalves de Souza, no julgamento da Apelação nº 0022609-57.2010.8.08.0024 dotado de uma imensurável maestria, reconhece que o referenciado procedimento deve observar o devido processo legal e todas as garantias constitucionais decorrentes:
O processo administrativo deve observar o devido processo legal e todas as garantias constitucionais dele decorrentes, a exemplo do contraditório e da ampla defesa, em conformidade com o disposto no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. 2. De nada valeriam as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa se não fosse o administrado (sujeito passivo do processo administrativo instaurado para a apuração de eventual infração às leis de trânsito) quanto da imputação da penalidade correspondente (ESPÍRITO SANTO, 2015e).
Neste diapasão, avalia-se que para o regular desenvolvimento do processo administrativo, é imprescindível a observância do devido processo legal, isto se fazendo através da necessária notificação do condutor, ou, do proprietário do veículo, para que em tempo hábil este realize todos meios de defesa admitíeis em direito, a observar o Código de Trânsito Brasileiro e as resoluções do órgão máximo normativo de trânsito o CONTRAN.
É prudente anterior à conclusão ainda mencionar, notando-se que nos julgados acima apresentados, referencia-se a Súmula 312 do Superior Tribunal de Justiça, que reconhece que nas autuações e aplicações de penalidades concernentes ao direito de trânsito, é necessário a expedição de notificação para que o infrator proceda com sua defesa se desejar, vejamos:
No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração (DISTRITO FEDERAL, 2005).
Apresentado o entendimento sumular, fica evidente a necessária notificação para o exercício do contraditório e da ampla defesa, destarte colaciona-se ainda trecho de um dos julgados tomados como referência para produção da Súmula 312, qual seja o acórdão no REsp 595.085-RS de onde cita-se as palavras do Rel. Min. José Delgado:
Por meio de uma leitura mais atenta dos dispositivos do Capítulo XVIII, do Código de Trânsito Brasileiro, pode-se depreender que a autoridade de trânsito, qualquer seja a penalidade, antes do julgamento da consistência do auto de infração e da aplicação da penalidade, deverá notificar o ainda suposto infrator da existência do auto para que ele, querendo, ofereça defesa (DISTRITO FEDERAL, 2003).
Por conseguinte à luz das jurisprudência acima colacionadas, bem como todo o entendimento doutrinário carreado neste e nos demais capítulos, é possível compreender de forma cristalina que para apuração e aplicação da penalidade cancelamento da permissão para dirigir, é devida não somente a instauração de processo administrativo, mas também ao longo deste, deve ser observado o princípio constitucional do devido processo legal e suas garantias que desta máxima derivam, ou seja, o princípio do contraditório e da ampla defesa.
5. CONCLUSÃO
O presente artigo buscou apresentar a necessária observância do exercício do direito de contraditório e ampla defesa, nos processos de cancelamento de permissão para dirigir. Destarte, viu-se que o princípio do devido processo legal, possui direito atrelamento com este procedimento, pois se trata de arcabouço dos preceitos constitucionais, sendo este um dos pilares do Estado Democrático de Direito do Brasil. Portanto, para haver garantia da segurança jurídica é ilegal o cerceamento de defesa neste processo.
Neste viés, demonstrou-se ao longo de um longo processo histórico constitucional a construção do devido processo legal, que está presente na atual Carta Magna, onde ninguém poderá ser privado de seus bens e direitos ante a ausência deste.
Analisando o trabalho como um todo, compreendo que o que vislumbro na minha prática da advocacia por parte dos departamentos de trânsito, bem como a tese controversa à apresentada, de que se faz desnecessário a instauração de processo administrativo para cancelamento da permissão para dirigir, ou para cancelar CNH já expedida em definitivo, se trata de conduta dotada de plena nulidade absoluta e insanável, por estar diretamente violando a Constituição Federal de 1988 e todo o conjunto de princípios norteadores do direito administrativo.
Nesse diapasão, nota-se que para a regular apuração e aplicação deste tipo de penalidade, precede-se que seja notificado o condutor ou o proprietário do veículo, para que este apresente todos os meios de defesa admitidos em direito, de forma equânime a qualquer outra aplicação, considerando as previsões do Código de Trânsito Brasileiro e Resoluções do órgão máximo normativo de trânsito, qual seja, o CONTRAN.
Diante todo o exposto, o contraditório e a ampla defesa deve ter seu reconhecimento nas situações fáticas para apuração e aplicação do cancelamento da permissão para dirigir, bem como ter sua configuração atribuída, tomando como base o devido processo legal, por consequentemente sua não observação gera imensurável vilipêndio dos direitos fundamentais constitucionais.
(TEXTO DE AUTORIA E RESONSABILIDADE DO REDATOR)
6. REFERÊNCIAS
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______. Tribunal de Justiça; Apelação 0004800-49.2013.8.08.0024; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Estevan Bravin Ruy; Data do Julgamento 07/06/2016d;
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