A UBERIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL: O SURGIMENTO DE UM NOVO MODELO DE TRABALHO E OS DIREITOS TRABALHISTAS
RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar a uberização do trabalho e os efeitos trazidos por este novo modelo nos direitos trabalhistas. Para tanto, procurou-se abordar a questão envolvendo a evolução do Direito do Trabalho, tanto em nível constitucional, quanto nos princípios norteadores. Em seguida, pretendeu-se pontuar a influencia da globalização nas modificações das relações de trabalho, bem como ressaltar a consagração de novos modelos empresariais e de produção, entre eles, a uberização. Foi abordada a uberização sob o viés do Direito Brasileiro por meio do método hipotético-dedutivo, levando-se em conta as mudanças trazidas por este novo modelo, bem como os impactos nas relações trabalhistas. O presente estudo parte do marco teórico de Ludmila Costhek Abílio, explicitado por meio de seus estudos a respeito da uberização, incluindo o complexo paradigma trazido pela inserção desse novo modelo nas relações de trabalho. Por fim, buscou-se estabelecer como a uberização acontece e como ela se encontra relacionado à problemática da precarização, pois reflete em um método muito aplicado pelos grandes conglomerados empresariais no Brasil, visando a exploração do trabalhador, ao reduzi-lo como autogerente e responsável pelo seu trabalho, além da questão que envolve a extirpação da responsabilidade do tomador de serviços em relação aos seus empregados
Palavras-chave: uberização; precarização; flexibilização; informalidade; trabalho.
ABSTRACT
The purpose of this article is to analyze the uberization of work and the effects brought by this new model on labor rights. In order to do so, we sought to address the issue involving the evolution of Labor Law, both at the constitutional level and in the guiding principles. Next, it was intended to point out the influence of globalization on changes in labor relations, as well as highlighting the consecration of new business and production models, among them, uberization. Uberization was approached from the perspective of Brazilian Law through the hypothetical-deductive method, taking into account the changes brought about by this new model, as well as the impacts on labor relations. The present study starts from the theoretical framework of Ludmila Costhek Abílio, explained through her studies on uberization, including the complex paradigm brought about by the insertion of this new model in labor relations. Finally, we sought to establish how uberization happens and how it is related to the problem of precariousness, as it reflects on a method widåely applied by large business conglomerates in Brazil, aiming at the exploitation of the worker, by reducing him as self- manager and responsible. for their work, in addition to the issue involving the extirpation of the responsibility of the service taker in relation to its employees.
Keywords: fast fashion, slave, outsourcing, industry, textile.
INTRODUÇÃO
Como se sabe, o meio social passa por grandes transformações e, com a globalização, as novas tendências de trabalho se instalaram por todo o mundo, de modo a flexibilizar as relações trabalhistas, além de colocar em xeque os apontamentos principiológicos e protetivos do próprio Direito do Trabalho.
Em todo o lugar, a busca pela rapidez, versatilidade e eficiência na prestação de serviços fez com que surgissem novos modelos de trabalho, entre eles, pode-se destacar o standart da Uberização.
Nesse aspecto, a oferta de um serviço por uma plataforma digital permite que os usuários possam se locomover e até fazer compras por meio de aplicativos, de modo que os trabalhadores exercem uma jornada de trabalho de acordo com a demanda apresentada.
Diante do quadro de instalação de novos padrões do Direito do Trabalho tradicionalmente concebido, inauguram-se novos questionamentos a respeito de possíveis precarizações das relações trabalhistas, no sentido de prejudicialidade aos direitos mais basilares do trabalhador.
Nessa linha de pensamento, pode-se questionar a respeito da influência de informalidade nesse campo de trabalho e qual o limite que ela exerce, observando-se a que ponto o trabalhador pode se adaptar às gestões das novas plataformas para se manter ativo na rápida prestação de serviços.
A rapidez trazida pela tecnologia influenciou significativamente nas percepções do campo trabalhista, principalmente quando se passou a considerar que tempo e espaço deixaram de ser um problema e passaram a ser uma medida de eficiência para que uma empresa se mantenha no mercado produtivo.
A produtividade, de uma hora para outra, desconsiderou o trabalhador artesanal e deu espaço os lotes de vendas, tornando a padronização como resposta à uma rede mercadológica que se adaptou ao que o a sociedade passou a exigir: praticidade.
Nesse cenário, o Direito do Trabalho precisou acompanhar as demandas, as exigências e as modificações para evitar se tornar obsoleto. Flexibilizou algumas leis e até reviu algumas questões antes inaplicáveis, como a terceirização e a informalidade.
O desafio enfrentado pelo Direito do Trabalho concentra-se no fato de que a flexibilização impõe uma nova visão e uma nova perspectiva de proteção do trabalhador, visto que uma nova relação de trabalho, na maioria das vezes, de cunho informal acaba sendo formalizada e os direitos trabalhistas são considerados em segundo plano.
I. PRINCIPIOLOGIA PROTETIVA DO DIREITO DO TRABALHO
A questão envolvendo o Direito Trabalho como ramo autônomo remonta o contexto da Revolução Industrial, no século XVIII. Contudo, o emprego do trabalho como esforço para a consecução de tarefas economicamente consideradas remonta a Antiguidade Clássica e se desenvolveu até alcançar a Idade Moderna.[1]
No período do mundo greco-romano, o trabalho, assim como aqueles que o realizavam, era reduzido à coisa, formato que deu espaço aos mais diversos regimes de escravidão ao redor do mundo.
Assim, cabia aos escravos todo o tipo de trabalho material e manual propriamente ditos, enquanto o trabalho intelectual era destinado aos homens livres e, portanto, considerados “pensantes.[2]
Nessa época, quando firmado esse tipo de relação, o escravo perdia a posse sobre si mesmo e não era considerado sujeito de direito, hoje, considerado elemento essencial para uma efetiva relação moderna de trabalho, que opera diante de um contrato entre empregados e empregadores.
Paralelamente, em Roma, havia o regime de trabalho livre, em que escravos libertos e a camada mais hipossuficiente da população se destinada: o locatio conductio, conhecido como contrato de arrendamento ou locação de empreitada. Mostrava-se parecido com um contrato de locação, mas com finalidades bastantes diversas, sendo apontado como a origem remota do trabalho, que, posteriormente seria dividido em trabalho autônomo e trabalho subordinado.
O certo é que na Antiguidade, não existia nenhuma noção de emprego. A única relação trabalhista pautada era aquela entre o escravizador e seu escravo, de modo que as três civilizações mais influentes de sua época e que influenciaram o Ocidente com sociedades escravistas, foram a egípcia, a grega e a romana. [3]
Já na Idade Média, a relação de emprego também não era evidente. O sistema trabalhista funcionada a partir da servidão, em que os servos eram, de certo modo, mais livres que os escravos, uma vez que trabalhavam para ter o direito de residirem nas terras e não para receberem uma contraprestação por seus serviços.
O grande salto para o Direito do Trabalho foi observado na Modernidade, em que empresas familiares que comercializavam seus artesanatos iniciaram pequenas produções.
Nessa época, era muito comum que tais empresas familiares concedessem moradias e alimentação em troca de trabalho, o que ficou reconhecido como o primeiro sinal de esboço do conceito de emprego.[4]
Com a Revolução Industrial, que motivou a ida das pessoas do campo para as cidades e contratação de mão de obra, a moeda de troca era a força do trabalho, uma vez que a maioria dos cidadãos não possuíam ferramentas para trabalharem como artesãos. Nesse cenário é que a noção de emprego toma forças.
Com a evolução do Direito, também se verificou a necessidade de inserir em leis e na própria Constituição a proteção do trabalhador, bem como resguardar seus direitos mínimos, o que foi feito na Constituição Brasileira de 1988.
Assim, o trabalho passou a ser previsto no rol de Direitos Sociais e, mais do que isso, passou a contar com princípios, que são grandes norteadores de decisões e da função protetiva do Direito do Trabalho.
Nas palavras de Garcia[5], o Direito do Trabalho conta com princípios próprios e reconhecidos pela doutrina, além da jurisprudência pátria, podendo-se elencar: o Princípio da Proteção, o Princípio da Irrenunciabilidade, o Princípio da Primazia da Realidade e o Princípio da Continuidade da Relação de Emprego.
1.1. Direitos Sociais na Constituição Federal
Segundo Marcelo Novelino[6], a introdução dos direitos sociais nos textos das constituições ocorreu com a Constituição do México em 1917 e da Alemanha de 1919, no primeiro quarto do século XX.
Assim, passou-se a exigir dos poderes público, na maior parte dos casos, prestações positivas para o atendimento a direitos como educação, alimentação, saúde, proteção à maternidade e infância, moradia, lazer, segurança e trabalho, conforme preleciona o artigo 6º da Constituição Federal.
A implementação destes direitos ocorreu por meio de políticas públicas concretizadoras de prerrogativas individuais ou coletivas, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais existentes, bem como garantir dignidade e existência humana nos padrões mínimos.
Nestes casos, segundo Novelino[7], o custo da implementação e as questões que envolvem as limitações orçamentárias são fatores que contribuem para a menor efetividade dos direitos reconhecidos como prestacionais – como é o caso dos direitos sociais – em comparação com os direitos de defesa, nos quais o custo para o Estado não costuma ser levantado como fator impeditivo para sua concretização.
Como se sabe, a implementação e a proteção de qualquer direito que seja considerado fundamental requer, de modo direto ou indireto, a alocação de recursos materiais e humanos. E, no caso dos direitos sociais, a onerosidade e a escassez de recursos orçamentários acabam dificultando a concretização em níveis minimamente desejáveis, impondo a necessidade de escolhas de alocação de dinheiro.
Nas palavras de Novelino[8]:
Em sociedades democráticas, é usual a consagração de parte dos direitos sociais em normas de textura aberta ou de caráter principiológico, a fim de possibilitar diferentes níveis de concretização. Ante a impossibilidade de se atender satisfatoriamente todos os direitos contemplados no rol constitucional, no caso de demandas igualmente legítima, o princípio democrático impõe que seja conferida primazia às prioridades definidas pelo Legislativo e pelo Executivo, poderes públicos cujos Membros foram eleitos para esse fim.
Por isso, não há como alegar a impossibilidade de adjudicação dos direitos sociais, uma vez que a ideia de que normas de direitos sociais, por terem caráter meramente programático, são insuscetíveis de conferir direitos subjetivos adjudicáveis tornou-se totalmente superada.
Os direitos sociais encontram-se consagrados em duas partes distintas da Constituição Federal: no Capítulo II (“Dos direitos sociais), inserido no Título II (“Dos Direitos sociais e garantis fundamentais”), em que são elencadas as espécies de direitos sociais nos artigos 6º, além do rol dos direitos dos trabalhadores no artigo 7º e seguintes; e também no Título VIII, que trata da ordem social, em que são especificados os direitos à saúde, previdência social, assistência social e educação.
Tratando especificamente dos direitos individuais dos trabalhadores, é possível dizer que no âmbito das relações de trabalho, os direitos fundamentais decorrem de valores de liberdade e igualdade, cuja abrangência inclui a proteção da integridade física, psicológica e moral do trabalhador, sempre buscando assegurar uma existência digna.[9]
A Constituição de 1988 estabeleceu em seu artigo 7º uma série de direitos sociais fundamentais com o objetivo de proteger os trabalhadores, sejam eles subordinados, assalariados e que prestam pessoalmente serviços de carater permanente em suas relações laborais.
Inclusive, o extenso rol expressamente trazido pelo dispositivo é meramente exemplificativo, como se depreende da expressão “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, não excluindo, portanto, outros direitos fundamentais consagrados no texto constitucional e nas leis trabalhistas, tampouco impedem a ampliação destes direitos por meio de emendas à Constituição.
Novelino[10] preleciona que a interpretação e a aplicação destes direitos devem ser orientadas por alguns princípios, dentre eles: o da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da CF), dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, inciso IV da CF), da valorização do trabalho e da justiça social (artigo 170 da CF), da busca pelo emprego (artigo 170, inciso VIII da CF) e do primado do trabalho como base da ordem social (artigo 193 da CF).
Não obstante, a Constituição Federal assegura também a igualdade de direitos entre trabalhadores avulsos e aqueles que trabalham com vínculo empregatício permanente.
No caso dos trabalhadores domésticos, considerados aqueles que prestam serviços contínuos na residência de uma pessoa ou família, em atividade sem fins lucrativos, nos quais podem se enquadrar a babá, a copeira, o motorista particular, a lavadeira, o mordomo, o empregado de sítio de veraneio ou praia, a Emenda Constitucional 72/2013 equiparou, naquilo que é cabível, aos direitos contemplados aos demais trabalhadores urbanos e rurais.
Assim, pode-se dizer que os direitos dos trabalhadores em suas relações individuais de trabalho podem ser agrupados em sete categorias: direito ao trabalho e à garantia de emprego; direitos sobre as condições de trabalho; direitos relativos ao salário; direitos relativos ao repouso e à inatividade do trabalhador; direitos de proteção dos trabalhadores; direitos relativos aos dependentes do trabalhador; bem como direito de participação dos trabalhadores, segundo José Afonso da Silva.[11]
1.2. Princípio da Proteção
O Princípio da Proteção é considerado basilar no Direito do Trabalho, e, entre muitos doutrinadores pode ser considerado como um dos mais importantes dentre os demais princípios, até porque serve de condão para proteger o trabalhador.
A doutrina mais autorizada entende que a diretriz protecionista do trabalhador hipossuficiente não só é mais um princípio do Direito do Trabalho, como também é o mais importante desta disciplina, considerada por muitos como a própria essência do ordenamento jurídico trabalhista.
Para Luiz de Pinho Pedreira da Silva[12], o Princípio da Proteção pode ser definido como: “aquele em virtude do qual o direito do trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores”.
Em complemento, o jurista Américo Plá Rodriguez[13], propõe a seguinte definição jurídica: “o princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador”.
Na visão de Hoffmann[14]:
De todo o exposto, conclui-se que o princípio da proteção pode ser conceituado como a diretriz mandamental, reitora e nuclear que inspira, informa e fundamenta o Direito do Trabalho e que tem como finalidade compensar as desigualdades econômica e jurídica existentes na relação entre capital e trabalho, mediante a criação de outras desigualdades de natureza jurídica e segundo a dignidade do trabalhador. Trata-se de uma diretriz porque ilumina um caminho a ser trilhado pelo intérprete de Direito do Trabalho. Mas esta diretriz é mandamental, porque ao intérprete não é facultado optar pela aplicação do princípio da proteção; é reitora, porque se pode dizer que este princípio dirige e governa os demais, e é nuclear porque retrata a essência desta disciplina jurídica.
O princípio da proteção é também guia orientador do criador, do operador e do aplicador da lei, pois trata de um ramo da ciência jurídica comprometido com a proteção de sujeitos – os trabalhadores -, considerados como figuras centrais na sociedade contemporânea, tecnológica e globalizada que se formou nos últimos anos.
Para Franco Filho[15], busca tal princípio protetor compensar as desigualdades decorrentes da situação económica vivida pelos sujeitos participantes das relações empregatícias, em que o empregador é responsável pelos meios de produção e o trabalhador é o dono da força de trabalho, diametralmente reconhecidos e diferenciados pelo exercício de poder.
Não obstante, esse princípio protetor deve ser aplicado para buscar a proteção da dignidade do trabalhador como ser humano, pois depende unicamente de sua força para sobreviver, de modo que lhe cabe o asseguramento de condições justas de trabalho.
Nas palavras de Franco Filho[16], não basta que sejam asseguradas as meras liberdade e autonomia contratuais, uma vez que a dignidade da pessoa humana, que se extrai como fundamento do Estado Democrático de Direito, exigindo condições mínimas de existência.
Como se sabe, os princípios do Direito do Trabalho possuem especial relevância, e o da proteção do trabalhador pode ser considerado “a causa e o fim do direito do trabalho”, razão pela qual o autor Luiz de Pinho Pedreira da Silva[17] tece as seguintes considerações:
“A Valente Simi o princípio de "tutela preferencial do trabalhador”, como ele denomina o de proteção, já aparecia desde muito antes ”difuso em todo o arco da disciplina do trabalho”, percorrendo ”todo o campo do nosso direito ”, vendo ele transluzir o princípio protetor como ”a verdadeira língua da legislação do trabalho em todos seus vários e complexos aspectos”. Couturier assinala que a tomada em conta da situação de inferioridade do assalariado em sua relação contratual com o empregador não só está presente no direito do trabalho, é fundadora desse direito. E cita pensamento de Lyon-Caén segundo o qual ”se há social no direito do trabalho é que permanece habitual ou seja este encarado como o direito da proteção do trabalhador assalariado”. O mesmo autor salienta ainda que as regras relativas às relações entre empregadores e empregados manifestam em relação a todas as outras editadas para proteção da parte fraca nos contratos senão uma superioridade real, ao menos uma anterioridade histórica incontestável.
Aliás, essa intrínseca relação entre o Direito do Trabalho e o princípio protetor acabou reiterando a importância desse tipo de diretriz no próprio contexto da sociedade civil, razão pela qual Plá Rodriguez[18] afirma que respectivo princípio tem uma tríplice missão:
- a) informadora, pois os princípios inspiram o legislador e servem de fundamento do ordenamento jurídico; b) normativa, já que atuam como fonte supletiva no caso de ausência de lei aplicável ao caso concreto; e c) interpretadora, visto que os princípios operam como critério orientador do intérprete. E, no que diz respeito ao princípio da proteção em particular, sustenta o autor que cada fonte deve ser interpretada de acordo com a natureza e a característica desta diretriz.
Nesse mesmo sentido, Maurício Godinho Delgado também ressalta a importância do princípio protetor ou de tutela:
“Todo sistema, não obstante formado por um conjunto mais ou menos amplo de partes ou categorias coordenadas, terá sempre em alguma delas seu ponto nuclear. No sistema justrabalhista de corte individual, ressalta-se o princípio da “norma mais favorável” como o nuclear de todo o sistema. Dentre o conjunto de princípios componentes do Direito Individual
do Trabalho, o da norma mais favorável é, sem dúvida, o mais importante, quer pela diferenciação que demarca entre o ramo justrabalhista especializado e o restante do universo normativo contemporâneo, quer pela larga abrangência que tem nesta área especializada do Direito”
Dessa forma, como nas demais disciplinas jurídicas, também o Direito do Trabalho é informado por uma principiologia própria, que lhe confere verdadeira ordenação estrutural. E, nessa linha de pensamento, o princípio da proteção se apresenta como fator de alta importância, porque não só é o mais antigo de todos os princípios, mas porque dele derivam os demais.
Por ser considerado o princípio reitor do Direito do Trabalho, o princípio da proteção suscita controvérsias quanto à sua forma de aplicação pelo intérprete, a clássica obra de Américo Plá Rodriguez[19] encontrou entusiastas na doutrina e na jurisprudência, sendo aceita pela maioria dos autores contemporâneos. Segundo o uruguaio, três seriam as regras de aplicação protetivo:
“a) a regra in dubio, pro operário. Critério que deve utilizar o juiz ou o intérprete para escolher, entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador;
- b) a regra da norma mais favorável determina que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas; e
- c) a regra da condição mais benéfica. Critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava um trabalhador”
A regra in dubio pro operário não se confunde com o princípio pro operário mencionado por certa parcela da doutrina, que assim nomina equivocadamente o princípio protetivo. Pelo contrário, significa que, na dúvida entre interpretações passiveis de aplicação a uma mesma regra jurídica, deve o intérprete adotar, por conta do princípio protetivo, aquela mais protetiva ao trabalhador hipossuficiente. [20]
Já Américo Plá Rodriguez propõe que o significado da regra se baseia no “critério segundo o qual, no caso de que uma norma seja suscetível de entender-se de vários modos, deve-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador”. [21]
Há que se ressaltar, contudo que, segundo os critérios tradicionais, a forma de aplicação in dubio pro operário não se caracteriza como uma opção do intérprete: havendo um sentido mais favorável ao trabalhador, este deve efetivamente imediatamente reconhecido, não havendo espaço para critérios de discricionariedade e conveniência.
Em se tratando da Regra da Norma mais Favorável, Amauri Mascaro Nascimento[22] fundamenta a aplicação desta norma no artigo 7º da Constituição Federal:
Havendo duas ou mais normas jurídicas trabalhistas sobre a mesma matéria, será hierarquicamente superior, e, portanto, aplicável ao caso concreto, a que oferecer maiores vantagens ao trabalhador, dando-lhe condições mais favoráveis, salvo nos casos de leis proibitivas do Estado. Ao contrário do direito comum, em nosso direito, a pirâmide que entre as normas se forma terá como vértice não a Constituição Federal ou a lei federal ou as convenções coletivas de trabalho de modo imutável. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma vantajosa ao trabalhador, dentre as diferentes em vigor.
Trata-se de imposição, à semelhança do verificado quanto à regra in dubio pro operário e não de faculdade do intérprete. O comando da regra jurídica será suplementado, o que significa dizer que a regra jurídica desprezada continuará vigendo e surtindo efeitos, notadamente naqueles casos em que não há confronto normativo ou, se existir, seja a mais profícua ao trabalhador.
Por fim, a regra da condição mais benéfica significa que, por inspiração do princípio da proteção, deve o intérprete, nos conflitos intertemporais de duas ou mais regras jurídicas de
Direito do Trabalho, decidir-se pela aplicação daquela que confira melhor situação ao trabalhador hipossuficiente. [23]
Assim, por força da aplicação da teoria do direito adquirido ao Direito do Trabalho, determinado direito ou vantagem efetivamente conquistados pelo trabalhador acabam sendo incorporados ao seu patrimônio e não podem mais serem suprimidos pelas regras jurídicas subsequentes.
A regra da condição mais benéfica fundamenta-se juridicamente também no princípio do direito adquirido, positivado na Constituição Federal, agora no artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal.
Essa regra traduz a ideia de que o Direito do Trabalho assume caráter protecionista e visa tutelar os homens como trabalhadores e extremamente dependentes de sua força de trabalho, e não apenas como meros contratantes, motivo pelo qual seus direitos adquiridos devem ser resguardados com mais vigor.
Assim, a fórmula da condição mais benéfica tradicionalmente assumiu especial relevo por efetivar não só o princípio da proteção, mas também os postulados relativos ao direito adquirido e do valor social resguardados pela Constituição Cidadã.
1.3. Princípio da Irrenunciabilidade
Na visão de Plá Rodriguez[24], a irrenunciabilidade seria “a impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio”.
Já Süssekind[25] fez a seguinte colocação:
Durante a relação de emprego prevalece, como regra, o princípio de que o empregado não pode renunciar aos direitos que lhe correspondem ou aos que advirão no curso do contrato.” A contrário senso, podemos presumir que poderá então renunciar aos direitos quando da sua contratação ou durante o contrato de trabalho, mas omite-se sobre a renúncia após sua extinção.
Assim, pode-se entender que os direitos trabalhistas são, em tese, irrenunciáveis, independentemente de sua natureza ou momento em que se opera a renúncia. Mas não somente isso, tal princípio estabelece limites à transação, não impedindo, contudo, a arbitragem e a conciliação judicial.
A doutrina define quatro importantes pontos para justificar a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.
O primeiro deles trata da imperatividade das normas trabalhistas, fundamento mais aceito pela doutrina por conta das normas imperativas e normas dispositivas do Direito Romano, denominadas jus cogens e jus dispositivum.
O segundo ponto parte da ideia de que as normas trabalhistas seriam tidas como imperativas, fator este, que a princípio, seria sinônimo de ordem pública, o que justificaria sua inderrogabilidade e sua irrenunciabilidade.
Este fundamento, inclusive, advoga a face imperativa das normas no sentido em que não abre margem a flexibilização das normas trabalhistas, contrariando, inclusive o curso natural de evolução do direito.[26]
A terceira tese trata da limitação à autonomia da vontade que, como enuncia Rodriguez[27], não se trata de sua inteira estagnação, mas de limitação para evitar seu abuso.
Importante salientar que alguns setores da vida social o legislador transplantou a autonomia da vontade do terreno individual para o terreno coletivo, por isso, hoje em dia as organizações do trabalho são pessoas que, em primeiro lugar, gozam plenamente desta autonomia, enquanto os indivíduos só desfrutam dela na medida em que há compatibilidade com o interesse social.
Para elucidar esse pensamento, Plá Rodriguez[28] faz a seguinte observação:
Para este fundamento, a vontade individual não deve ser acolhida, pois poderia colocar em risco o interesse social, coletivo, ou seja, se todos os trabalhadores, mesmo que isoladamente, ao longo dos anos, fossem renunciando ao seu direito ao gozo de férias, p. ex., preferindo pela conversão em pecúnia, futuramente, fatalmente este direito de gozo, de descanso, cairia em desuso, sendo, até por força de lei, visto que se tornou um costume, substituído pelo pagamento em dinheiro sem direito a gozo, ou até sendo excluído do rol de direitos trabalhistas, visto ter perdido seu real sentido, qual seja, o de proporcionar a preservação da saúde do trabalhador; e não a de garantir-lhe uma ajuda financeira extra à remuneração mensal.
Assim, a aplicação deste princípio deve levar em conta o equilíbrio, de modo que não se perpetre o abuso e também para evitar que ele seja colocado em posição que refute a irrenunciabilidade como fator protetivo do trabalhador.
1.4. Princípio da Primazia da Realidade
O princípio da primazia da realidade, tal qual o da irrenunciabilidade, é de inegável função ao direito do trabalho, razão pela qual digno de nota neste trabalho. Aliás, o tratamento dado a este princípio revela a busca da verdade real exercida dentro da seara trabalhista.[29]
Segundo Daniel Gemignani[30]:
Na esteira do afirmado alhures, contraface do direito decorrente do princípio à que as relações sejam consideradas pelo que são, e não pelo que formalmente aparentam ser, é o dever estatal de perquirir aquilo que se pode depreender da análise dos fatos e elementos colacionados, não em favor de quaisquer das partes de uma relação jurídica, mas sim, da real natureza jurídica dessa relação.
Ainda que a ideia de realismo se assente nas questões que abordam o princípio da primazia da realidade, dois desafios se apresentam a ele na atualidade.
O primeiro refere-se à ideia de “contrato realidade”, muitas vezes apresentada como sinônima ao princípio da primazia da realidade.
Nada mais é do que "contrato realidade", que recebe muitos questionamentos na atualidade. O contrato realidade, possui consequências jurídicas sendo que sua execução dependerá única e simplesmente da relação de um trabalhador com uma empresa. O desnível entre as alegações-fatos e a forma documental simplesmente poderá decorrer de uma fraude ou simulação longínqua da realidade.
Já o segundo desafio refere-se à possibilidade de extensão do princípio da primazia da realidade às novas formas de relação de trabalho, isto é, aquelas que não contam com a subordinação.
Nas palavras de Plá Rodriguez[31], em caso de discordância entre aquilo que efetivamente aconteceu na prática e aquilo que acabou emergindo a partir de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao que sucede no terreno dos fatos. Esse seria o verdadeiro conceito de primazia da realidade.
1.5. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego
Na visão de Luiz de Pinho Pedreira da Silva,[32] o princípio da continuidade é aquele pelo qual o contrato de trabalho perdura até que sobrevenham circunstâncias idôneas previstas pelas partes, ou em lei, suficientes para faze-lo cessar. Inclusive, podem se caracterizar como um pedido de demissão, uma despedida justificada ou até mesmo um termo firmado entre as partes.
Para Plá Rodriguez[33], este princípio expressa a tendência atual do Direito do Trabalho de “atribuir à relação de emprego a mais ampla duração, sob todos os aspectos”, para, logo em seguida, afirmar que “este princípio está estabelecido em favor do trabalhador”.
Pela leitura destes conceitos, podem ser levantadas duas questões importantíssimas que permeiam o princípio da continuidade: a primeira delas refere-se à interpretação da estabilidade presente no artigo 7º, inciso I da Constituição Federal; e a segunda trata da confrontação entre os propósitos do princípio aqui analisado e uma característica atual do mercado de trabalho: a alta rotatividade da mão de obra, em razão da maioria dos contratos por prazo indeterminado, e por isso pretensamente duradouros, cujo encerramento já contém data certa.
Em se tratando da estabilidade de emprego, entende a doutrina majoritária que a Constituição Federal trouxe, como consequência da adoção obrigatória do regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), “a incompatibilidade lógica com o regime estabilitário ex lege, adotando o constituinte, assim, a teoria do direito potestativo de despedir.[34]
Nesse sentido, Amauri Mascaro Nascimento[35]:
O princípio seguido não é o da estabilidade plena. Esta foi afastada definitivamente pela mesma Constituição que generalizou como reparação da dispensa o FGTS e o acréscimo estabelecido nas disposições constitucionais transitórias. (...)Reintegração é corolária da estabilidade, esta significa nulidade da dispensa. A Constituição prevê indenização como meio reparatório da despedida sem justa causa ou arbitrária; portanto, para ambas as formas, indenização e estabilidade, sendo antíteses, uma vez que estabilidade significa reintegrar, e indenizar quer dizer reparar quem já está despedido torna a proposta inviável sob o aspecto jurídico. Ora, se a Lei Maior ordena que a regulamentação por lei complementar do seu texto se faça mediante indenização, os outros direitos a que se refere não poderão contrapor-s e ao comando central e nuclear que é a indenização. Em outras palavras, a regulamentação poderá prever tudo o que quiser, menos o que se atritar com o direito de despedir, indenizando. Assim, não só pela letra da lei como do propósito do legislador Constituinte, como se vê pelo histórico dos debates, supunha-se definitivamente resolvido esse problema em 1988. Mas agora se quer reanimá-lo
Por outro lado, a opinião de Valentim Carrion[36]:
O texto constitucional, apesar de admitir que a lei complementar poderá estabelecer outros direitos além da indenização, parece afastar a estabilidade por via legislativa. ‘Dentre outros direitos’ significa que poderá haver outros mais, além da indenização substitutiva, que impede a verdadeira estabilidade.
Assim, pode-se perceber que as argumentações se baseiam em duas técnicas de interpretação: a histórica, levando em conta que o regime passou por uma transição e hoje estaria presente apenas a questão envolvendo o FGTS; e autêntica, levando por base a mens legis, na qual os doutrinadores entendem que a constituinte levou em conta os ditames da Constituição Cidadã e teriam criado um sistema livre de demissões.
O tema é, deveras, muito controverso, e a discussão aqui apresentada, claramente, não tem como objetivo calcar conclusões definitivas, mas revisitar e rever posições assentadas, propondo a rediscussão da temática, buscando promover uma nova abordagem sobre a questão.
De qualquer forma, é sempre importante relembrar que o Direito é altamente rotativo e não conta com um arcabouço jurídico eterno e fixado, o que justificaria a questão de rever a abrangência do supracitado princípio, contudo, é sempre importante reconhecer a necessidade de equilíbrio nas novas facetas, de modo que os direitos do trabalhador não sejam prejudicados, tendo em vista a sua condição de hipossuficiente face aos grandes conglomerados.
II – A GLOBALIZAÇÃO E O DIREITO DO TRABALHO
As primeiras notícias daquilo que se tinha por “globalização” eram estritamente consideradas sob o ponto de vista econômico. Contudo, é necessário que se reconheça que a globalização da economia surgiu ligada aos meios tecnológicos, responsáveis por mudar os costumes das recentes gerações.
Diante do novo cenário que se apresentou nas últimas décadas, os estudiosos passaram a se dedicar a um exame mais apurado sobre fenômenos que contam com forte repercussão nas relações trabalhistas, entre eles, a globalização e o constante avanço tecnológico
Esses fenômenos demandaram a criação e a execução de meios regulatórios eficazes para reduzir os impactos que exerceram, e ainda continuam exercendo, sobre o Direito do Trabalho, sendo apresentados como alternativa à flexibilização, à desregulamentação, e às terceirizações que, em alguns casos, geram efeitos perversos para a classe trabalhadora.
2.1. A Globalização
A transformação trazida pela percepção das coisas fugindo ao controle foi um dos primeiros sinais de que a globalização já se fazia presente no meio social.[37]
Segundo Bauman[38], o significado mais profundo trazido pela ideia de globalização residia no carater indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundialmente alcançáveis e a ausência de um painel de controle, marcado pela falta de gerenciamento.
Isso quer dizer que, na falta de um controle central, o Estado acaba por ser esvaziado diuturnamente, de modo que esse esvaziamento, dentro de uma democracia, implica no enfraquecimento da capacidade de regular o trabalho e promover o bem-estar geral da população.
Amauri Mascaro Nascimento[39], em seu turno, entende que desde as primeiras trocas comerciais entre países e continentes, já havia a globalização.
Na visão de Celso Fernandes Campilongo[40], diante destas perspectivas decorrem a flexibilização dos direitos trabalhistas, a volatilidade de capital em busca de trabalhadores menos onerosos e o surgimento de novas formas de prestação de serviço doméstico, terceirizado e informatizado.
A respeito do trabalho terceirizado, pode-se afirmar que o Direito Brasileiro, por muito tempo, oscilou entre normas protetivas a respeito do trabalhador e a existência de uma legislação pouco estrutura, contudo, nos últimos tempos deixou de exercer o seu papel primordial e colaborou com o retrocesso da norma terceirizante.
Segundo Biavaschi e Santos[41] a terceirização tem avançado no mundo e no ordenamento jurídico brasileiro, tanto nas esferas públicas, quanto privadas, de modo a representar um fenômeno que afeta o contrato de trabalho, representando uma nova estratégia mercadológica para redução de riscos e custos, além de aumentar a flexibilização organizacional, principalmente, em um momento em que o capitalismo avançou na liberação de mercados e impactou o regime de contratação de mão de obra.
Aliás, a inserção do instituto da terceirização somente foi possível, além das características evolutivas da sociedade inserida em uma era industrial e altamente tecnológica, em razão do retorno do neoliberalismo no Brasil e no mundo, fundamentado no desenvolvimento do capital a partir de 1970. [42]
Contudo, ao mesmo tempo que a cooperação econômica, fundada no desenvolvimento de capital, empregatício e na circulação de produtos foi extremamente vantajosa, também foi perceptível que tal integração gerou desemprego, desigualdades, pobreza e, principalmente, o aumento do trabalho precário e da economia informal. [43]
Não obstante, esse esvaziamento também ocorreu no plano interno em que se percebeu a incapacidade e ineficiência na prestação de serviços públicos básicos, principalmente na área da saúde e educação, ao menos nos países em desenvolvimento. [44]
Do mesmo modo, no campo externo, o sistema financeiro internacional adicionou aos países nova políticas econômicas centradas no fluxo emergente de capital, de modo a gerar uma onda de desemprego e desestabilização.
Por certo que a globalização econômica, ante a inexistência de qualquer sistema jurisdicional internacional ou mundial que pautasse os princípios e meta a serem buscados pelos diversos Estados, trouxe forte tendência de negociação jurídica flexível, apta a atender às necessidades econômicas e a maximização de riquezas ao redor do globo.
A instauração de novas necessidades não enfraqueceu apenas os países, mas toda a sua estrutura interna, principalmente, o Direito do Trabalho, que passou a ser apenas um instrumento para as operações que o novo sistema mundial necessitava para se afirmar, inclusive, com mudanças bastante ineficazes.
Em verdade, a ânsia pelo poderio econômico em face da inexistência de um sistema jurídico universal, apto a coibir a avalanche trazida pela necessidade de ter cada vez mais dinheiro, incitou a prática de certos atos desprovidos de mínima eticidade, de modo que certas transgressões são praticadas e, praticamente, ignoradas, como se nunca houvessem existido.
Ulrich Beck[45], em sua obra, já entendia que esse processo expansivo e de globalização, principalmente, econômico, dificilmente seria contido, principalmente em um mercado sedento por riquezas e afirmação de poderes.
Nas palavras de Moraes[46], “como o desafio para uma vida minimamente saudável é buscar tornar a vida com medo em algo tolerável, tende-se a institucionalizar a sensação de insegurança quando inexiste controle”.
Dessa forma, era indiscutível que toda a estrutura interna e externa do Estado sofresse com as variações dos efeitos da globalização, e não diferentemente, o Direito Trabalho e as relações que o permeiam.
2.2. Relações de Trabalho e Dimensões da Globalização
A questão envolvendo as relações de trabalho há muito tempo deixou de ser apenas assunto que envolvia as questões relacionadas à mão-de-obra forçada, podendo ser evidenciada em diversos setores do Direito do Trabalho.
No começo dos primeiros ofícios, o próprio modelo de produção doméstico, dentro do sistema que envolvia produções próprias e artesanatos, já apresentava sinais exploração, marcados pelos baixos salários e ambientes perigosos. [47]
Com a ascensão do Estado Liberal, a maioria das produções domésticas foram substituídas por “parques têxtis”, de modo que os artesãos mais habilidosos passaram a integrar as novas indústrias. Contudo, o palco para duas importantes revoluções aconteceu no século XVIII, momento em que a Europa experimentou grandes mudanças, responsáveis por conduzi-la até a sociedade industrial consagrada ao final do século XIX: as Revoluções Francesa e a Industrial.
O século XIX consagrou a evolução das máquinas, que propiciou a contratação em escalas maiores. Inclusive, nessa época valorizava-se, cada vez menos, o trabalhador, que passou a desempenhar essencialmente um serviço de “operador de máquinas”.[48]
Foi nessa época em que a produção em larga escala se concretizou e houve a introdução da divisão do trabalho, havendo a expansão nos setores fabris, empregando boa parte da mão-de-obra disponível e tornando a produção ainda mais impessoal.
Aliás, nesse sentido, Godinho ao tratar sobre esta evolução estabeleceu a seguinte premissa: “[...] a conjuntura do sistema econômico, social e político capitalista, ao longo do último quartel do século XX, propiciou a realização de importantes acontecimentos e tendências de notável impacto no mundo do trabalho”. [49]
Um desses marcos foi a globalização, que correspondeu não somente à uma fase do capitalismo, mas à uma transformação e aprofundamento do sistema econômico mundial; de novas tecnologias, das telecomunicações; e, em especial marcou a influência de capital especulativo. [50]
A partir do ano de 1970, esse conjunto de acontecimentos foi responsável por transformar o mundo em verdadeira sociedade globalizada, altamente competitiva e baseada no capitalismo emergente, trazendo ao Direito do Trabalho, de modo específico, um período de crises e transições.
Nesta época, o fenômeno social do desemprego se instalou, demonstrando que esse acontecimento: “[...] derivaria da nova maneira de se organizar e desenvolver o novo capitalismo, em que estariam sendo colocadas em xeque não apenas a relação empregatícia, como também a própria realidade de trabalho”. [51]
Nesse período, foi possível observar, igualmente, a consagração da terceira revolução tecnológica, chamada de “revolução digital” que, diferentemente da primeira revolução – ocorrida ao final do século XVIII com a substituição das ferramentas manuais pelas máquinas – e da segunda revolução – ocorrida no final do século XIX, que impactou a produção em razão da procura de produtividade -, tinha como pontos notáveis o desenvolvimento da robotização, da microinformática e das telecomunicações, com a consagração do teletrabalho e do home-office. [52]
Sobre esse assunto, Delgado[53] faz o seguinte apontamento:
A redução dos postos de trabalho decorrente de tais mudanças da tecnologia – em si, fato já importante – implicava ainda modificações notáveis nos processos de concretização do labor no plano empresarial, atenuando, em certa medida a tendência – que antes parecia incontrolável – de agregação de grandes massas de trabalhadores em grandes estabelecimentos produtivos. É que o trabalho repetitivo e uniforme, mobilizador de grandes grupos humanos perdia sua anterior exponencial relevância, substituído, em razoável medida pela nova tecnologia.
Nas quatro últimas décadas, o novo padrão capitalista, baseado nas regras e princípios liberais, trouxe para o campo trabalhista a busca por maior flexibilidade, rentabilidade e rapidez nos processos de produção, além da redução de custos e riscos. Isso fez com que a relação de trabalho ficasse precarizada e fossem estabelecidos novos modelos de exploração de mão de obra.
Em se tratando das mudanças organizacionais enfrentadas é possível destacar a adoção de estratégias de dissolução das grandes unidades empresariais. Isto é, em razão da evolução dos meios de comunicação e dos meios de transporte utilizados para a redução do tempo de produção, os empresários passaram a restringir o antigo critério de verticalização e a concentração encontrada no sistema produtivo.
A respeito dessa mudança, acrescenta Delgado[54]:
Passam, assim, à diferença da sistemática anteriormente dominante, a delegar, por subcontratação, a outras entidades empresariais conexas ou mesmo independentes a tarefa de produzir distintos implementos necessários a seu produto final ou, até mesmo, realizar fases inteiras de seu tradicional ciclo produtivo. A empresa líder reduz, em consequência, sua própria dimensão estrutural e operacional, sem prejuízo de poder conseguir elevação em sua produção final no mesmo (ou menor) período de tempo.
Isso quer dizer que a antiga ideia do empreendimento capitalista que concentrava e centralizava o capital passou a ser substituído por unidades empresárias de pequeno e médio porte, deixando de lado a ideia das grandiosas estruturas empresariais, que eram responsáveis pela realização de todo o trabalho até o produto final.
Nesse cenário, surgiu a terceirização, associada ao modo Toyotista de organização do trabalho – que se consagrou como parte do novo modelo de reestruturação produtiva e o trabalho flexível – e é caracteriza pela inserção, no interior de uma relação já firmada entre o trabalhador e seu tomador de serviço, de uma empresa considerada “intermediária”, tida como responsável pelo vínculo de emprego com o obreiro. [55]
Tudo isso colaborou para a ocorrência de profundas transformações nas relações trabalhistas, entre elas, a intensificação do tempo de trabalho, novos tipos de contratações e ampliação da terceirização para fins de força de trabalho flexível, ainda que isso custasse em reduções dos direitos trabalhistas e trouxesse precariedade dos empregos.
Em razão das mudanças trazidas nas relações envolvendo o empregado, Delgado[56] explica que: “[...] a terceirização trabalhista é essencialmente desorganizadora do sistema de garantias e direitos estipulados pelo clássico Direito do Trabalho”.
Essa desorganização pode ocorrer em razão de múltiplos fatores: de um lado, há a diminuição do número de trabalhadores instalados em determinados segmentos industriais; e, de outro, a própria “fórmula terceirizante” cria inúmeras dificuldades para a efetiva aplicação do Direito do Trabalho, que se substanciam no campo jurídico e fiscalizatório; além de dificultar o intercâmbio entre o trabalhador terceirizado e o empregador. Assim, é possível afirmar que a adoção da terceirização ocasionou o cerceamento do dos direitos fundamentais mínimos e inerentes à pessoa do trabalhador, colocando-o em condições de trabalho que afrontam diretamente a dignidade da pessoa humana.
Esse modelo globalizado se caracterizou pela falência da verticalização e se consagrou com a proposta toyotista, cuja principal proposta se baseava na: “[...] subcontratação de empresas, a fim de delegar a estas tarefas instrumentais ao produto final da empresa-pólo [...]”, de modo que a horizontalização, portanto, diminuiu, além do valor econômico do trabalho, o controle do trabalhador sobre o processo produtivo, e contribuiu para a precarização do padrão trabalhista de direitos em relação aos obreiros terceirizados.
Daí resulta a conclusão de que a terceirização, principalmente adotada nas indústrias de vestuários, trouxe precariedade às relações de trabalho, como a remuneração por produção, e também nas condições em que os trabalhadores estão inseridos, principalmente em situações que caracterizam subcontratações.
2.3. Repercussões da Globalização
A modernidade com o advento da globalização mundial da economia, passou a apresentar algumas características marcantes. Atualmente, não apenas as indústrias estão mundializadas, mas também o comércio, o que justifica a sobrevivência das grandes empresas no mercado, dado o seu poder financeiro.
No cenário macroeconômico, a economia gira em torno da expressão contemporânea calcada como “Livre Mercado”, em que as grandes corporações submetam seus trabalhadores às novas regras de contratação de mão de obra, que muitas vezes resultam na violação de seus direitos humanos, ferindo, por certo, a Dignidade Humana de seus cidadãos e o mínimo existencial.
Muito embora tenha sido atribuída à globalização a responsabilidade pelo crescimento das relações mundiais, o Direito do Trabalho, ao contrário, sofreu um efeito de retração, pois classes menos favorecidas saíram prejudicadas nesse cenário.[57]
Por isso Nelson Nazar[58] afirmou que os valores da sociedade pós-moderna repercutiram nas relações de trabalho, impactando em três níveis importantes.
2.3.1. Desemprego estrutural
O primeiro nível observado refletiu a incidência do desemprego estrutural na sociedade, já que a classe economicamente menos ativa ficou em desvantagem para competir com qualquer outra classe no mercado.
Nesse sentido, pontuou Romita[59]:
No Brasil, a globalização da economia produz efeitos correspondentes aos registrados no primeiro mundo, observadas as características de um país ainda em vias de desenvolvimento. Aqui, os problemas são agravados pela necessidade de integração econômica de consideráveis segmentos sociais marginalizados. O maior impacto localiza-se nos efeitos nocivos do desemprego. Na Europa, preocupa o desemprego aberto. No Brasil, além deste, há o subemprego e o crescimento do emprego informal, subprodutos da economia subterrânea, clandestina, marginal ou oculta.
Diante desse cenário, a partir de 1990, o número de terceirizações aumentou e novas formas de contratação surgiram. Houve o impulsionamento de descentralizações de atividades e o crescimento de subcontratações, recebendo especial enfoque o crescimento do trabalho informal.
O desemprego ficou caracterizado como estrutural não somente no Brasil, mas ao redor do mundo. Contudo, os países em desenvolvimento sentiram seus efeitos de forma mais intensa, já que foram afetados trabalhadores de baixa escolaridade e pouca ou nenhuma qualificação profissional, cuja chance de recolocação no mercado de trabalho é bastante pequena.
2.3.2. Nova estruturas do sistema de produção
Nesse novo sistema globalizado, o trabalho humano continua recebendo enfoque, contudo, a tecnologia é o grande chamariz da economia global.
Gomes[60] afirma que o setor tecnológico é, por um lado, muito bem recepcionado, porém, de outro, acabou trazendo consigo novas e diferentes formas de exploração humana, como o aumento da precarização do trabalho e também os moldes do subemprego, “sob a justificativa de a competitividade do mundo globalizado exigir a flexibilização da gestão da empresa”.
As novas estruturas no sistema de produção também foram responsáveis por introduzir novas funções, novos mercados e também novos tipos de consumidores, fator que influenciou as relações de trabalho.
Todas estas mudanças impuseram, igualmente, a necessidade de um novo mercado de trabalho marcado pelo processo de rápida adaptação, tendo em vista os novos paradigmas que a revolução tecnológica trouxe.
Uma importante constatação residia na necessidade de que a busca pelo equilíbrio entre a promoção integral da pessoa humana e a tecnologia já era fator que se apresentava como uma verdadeira dificuldade para as novas gerações.
Na mesma linha, ressalta-se o ensinamento de Arion Sayão Romita[61]:
Os avanços da revolução tecnológica não permitirão que as instituições permaneçam inalteradas. O capitalismo sofrerá consideráveis transformações, em face da competição que se desenvolverá em níveis internacionais, já que os capitais, a tecnologia e as ideias passarão a fluir com facilidade por cima das fronteiras.
Nesse contexto, não se pode renegar a presença das transformações trazidas pela globalização, de modo que os institutos jurídicos já existentes permaneçam estáticos e indiferentes às transformações do mundo pós-moderno, uma vez que o próprio Direito é dinâmico. Porém, também não existe autorização para que toda a construção normativa de leis seja dispensada, sendo necessário estabelecer o ponto de equilíbrio entre o que se apresenta como novo e o que já existe à título de proteção do individuo.
2.3.3. Condições de trabalho precárias
O desenvolvimento em larga escala trazido pela globalização envolveu ciclos diferentes da escala capitalista, de modo que o Direito do Trabalho também recebeu influência desses novos movimentos.
Com efeito, a Revolução Tecnológica aumentou o desemprego e fez surgir uma classe ainda mais desfavorecida bastante desfavorecida: a dos desempregados.
Romar [62] afirma que quando há busca pelo menor custo da produção, alguns países ofertam no mercado produtos com preço competitivo, uma das características trazidas pela nova realidade mercadológica.
Em contrapartida, para que estes itens alcancem valores mais baixos, as empresas ao buscarem vencer a concorrência, acabam precarizando as relações de trabalho por meio de condições inapropriadas de produção, baixos salários, jornadas desumanas e excessivas, além da exploração infantil, caracterizando, em alguns casos, trabalho forçado ou condições análogas à de escravo.
Essa realidade não está nenhum pouco longe das novas perspectivas traçadas para a empresa, uma vez que inúmeras são as denúncias envolvendo a exploração de trabalhadores, inclusive, a nível internacional.
Segundo Romar[63], a doutrina contemporânea tem utilizado a expressão “teoria do dumping social”, para nomear a prática em que empresas fecham e se restabelecem em regiões em que a mão de obra é mais barata.
Nestes casos, a redução dos salários impõe a precarização de toda a cadeia produtiva, de modo que os trabalhadores são obrigados a produzirem em meio a condições desumanas de trabalho, resultando na precarização dos direitos trabalhistas.
Aliás, a precarização do trabalho acabou tornando o ambiente insalubre, uma vez que, na visão de Sennett[64], “trata-se de um processo de dominação que mescla insegurança, incerteza, sujeição, competição, proliferação da desconfiança e do individualismo, sequestro do tempo e da subjetividade”.
O sequestro da subjetividade, por sua vez, pode ser entendido como uma estratégica utilizada pelas empresas e grandes conglomerados para fazer com que os trabalhadores atuem em seu favor, de modo a produzirem cada vez mais, se comprometendo com as metas estabelecidas pela empresa e, nas muitas das vezes, acarretando danos à sua saúde, sem, contudo, se sentirem explorados.
III. A UBERIZAÇÃO COMO NOVO MODELO DE TRABALHO
3.1. Conceito de “Uberização”
Segundo Ferraz e Franco[65], a evolução dos meios de forças produtivas deu origem a fenômenos de proporções globais, entre eles, a recente “uberização” do trabalho, termo referência baseado no pioneirismo da empresa Uber em relação ao seu particular modelo organizacional de trabalho.
Segundo Abílio[66], o fenómeno da Uberização também define uma tendência em curso que pode ser considerada generalizável pelas relações de trabalho, passando a abarcar setores diferentes da economia e condições de trabalho a nível global.
Apesar de derivar do fenômeno social que ganhou visibilidade com a entrada da Uber no mercado, o termo “Uberização” nem de longe se restringe a essa empresa ou se iniciou com ela, se tratando, em verdade, de uma nova forma de gerenciamento e controle, além de representar um novo modelo organizacional de trabalho.
Nas palavras de Slee[67], é possível conceituar como um amplo e complexo processo responsável pela redefinição das relações de trabalho, podendo ser compreendido como mais um influenciador no processo de flexibilização, da mesma forma que ocorreu com as terceirizações nas últimas décadas.
Nesse sentido, Abílio[68] teceu importante colocação:
A uberização refere-se às regulações estatais e ao papel ativo do Estado na eliminação de direitos, de mediações e e controles publicamente constituídos; resulta da flexibilização do trabalho, aqui compreendida como essa eliminação de freios legais à exploração do trabalho, que envolve a legitimação, legalização e banalização da transferência de custos e riscos ao trabalhador. Por essa perspectiva, ela se conecta ao direito como um campo em movimento, de disputas permanentes em torno das regulações que materializam os conflitos, as assimetrias e desigualdades, e as vitoriosas legitimidades que os envolvem. Ainda, na relação entre inovação tecnológica e papel do Estado, a uberização também se refere aos desafios nacionais ante aos espaços transnacionais que se formam no ciberespaço do mundo do trabalho.
Não obstante, o fenômeno da Uberização também traz as tendências de gestão e subordinação do trabalho. Isso quer dizer que envolve a possibilidade de extração, processamento e gerenciamento de dados em dimensões antes não imaginadas e que, passam a incorporar a vida cotidiana de trabalhadores, usuários e consumidores, ainda que invisíveis e pouco percebidas.
Inteligentemente, Abílio[69] organizou quatro elementos que envolvem a definição de uberização.
O primeiro deles determina que a uberização nada mais é que uma tendência global de transformação do trabalhador em trabalhador com autonomia, que se torna totalmente disponível para o trabalho e se reduz a um autogerente subordinado.
Isso quer dizer que ele não está adstrito a nenhum tipo de direito ou proteção associados ao trabalho, assim como não possui nenhuma garantia sobre sua remuneração ou pode estabelecer limites sobre seu tempo de labor.
O segundo deles consiste no papel de mediadoras assumido pelas empresas, responsáveis pelos meios tecnológicos e pela promoção e organização do encontro entre oferta e procura de diferentes atividades mercadológicas. Isso quer dizer que, de modo direto, mas diferente, pode-se destacar novas formas de subordinação e controle de trabalho por parte delas.
Nesse sentido, importante destacar:
Assim o trabalhador uberizado se sabe permanentemente vigiado e avaliado. Essa nova forma de controle tem se mostrado eficaz na manutenção de sua produtividade, na sua adequação aos procedimentos – informalmente estabelecidos – que envolvem sua ocupação. Ao adequar-se o trabalhador trabalha para si e para a empresa, para si e para o cultivo da marca, que em realidade depende inteiramente da atuação dispersa desse exército de motoristas.[70]
Essas novas formas de subordinação são as que desafiam as políticas públicas e as regulações de trabalho no que concerne ao seu reconhecimento, categorização e legalização. Segundo Abílio[71], nada mais é do que um gerenciamento de algorítimo do trabalho.
O terceiro elemento parte do pressuposto do surgimento de uma multidão de trabalhadores disponíveis que se contrapõe ao clássico contingente predefinido a que costumados lidar.
A grande diferença é que agora tanto o controle, quanto a subordinação passaram a operar de forma racionalizada com a indeterminação de trabalhadores, com seu tempo de trabalho, remuneração, especialidades.
Nesse sentido, Abílio[72] reafirma:
Na mesma lógica, o papel de instituir e executar normas de certificação e fiscalização do trabalho é transferido do Estado para as empresas-aplicativo (Abílio, 2017), que o terceirizam para a multidão indeterminada de consumidores. É transferida para os consumidores parte do gerenciamento e controle sobre o trabalho, também ele um controle subordinado pelas empresas-aplicativo. A indeterminação controlada da multidão será aqui compreendida por meio da definição de crowdsourcing.
Por derradeiro, o quarto elemento se traduz no fato de que todas essas novas configurações envolvem a transformação da identidade profissional do trabalho para o trabalho amador, poderoso e importante componente desse novo tipo de informalização da força de trabalho.
3.2. O trabalhador just in time
As reconfigurações trazidas pelo mundo nas últimas décadas deixaram claro que é totalmente possível dispersar o trabalho sem, contudo, perder o controle sobre ele.
Como já explicou Bernardo[73], o que acontece é que essa dispersão acontece a partir de uma transferência de riscos e custos das grandes empresas para as empresas e os trabalhadores que se encontram subordinados a elas.
Isso contribuiu para que a expansão ocorra em nível global, de modo que essa transferência representou o repasse de riscos, custos e também dos ónus do gerenciamento pelas redes hierarquizadas, representando também uma enorme centralização de capitais e do controle de toda a produção.
Assim, o Toyotismo, que se mostrou muito além de uma nova forma de organização da linha de produção, teve como aspecto central a transferência para o trabalhador de parte do gerenciamento da produção.
Como se sabe, as relações de trabalho com o desenvolvimento social e, especialmente, com o advento da globalização, se modificaram ao longo dos anos, trazendo novos modelos laborais, como o toyotismo, um dos responsáveis pela consagração da horizontalização e, por via de consequência, da terceirização.
Aliás, esse gerenciamento permaneceu subordinado e controlado, já que surgiram novas formas de engajamento e de disciplinas, costumeiramente assentadas na participação e na contribuição ativa do trabalhador para o aumento de sua própria produtividade.
É o caso, por exemplo, da figura do trabalhador que atua em home office que, ao se ver distante do relógio de ponto, da baía de seu escritório e da figura do gerente, passou a ter seu tempo de trabalho e sua produtividade controlados por outros novos mecanismos, como o estabelecimento de metas e entregas de um determinado produto.
Por isso, afirma-se que parte do gerenciamento do próprio trabalho é transferido ao trabalhador, o que contribui para a diminuição de custos para a empresa.[74]
A questão do just in time, ao trazer suposta liberdade na definição do local de trabalho – que pode ser vista como a dispersão do gerenciamento -, na jornada, nos dias trabalhados e na frequência que se trabalhou, não significou perda de produtividade do trabalhador, mas, sim, a eliminação de proteções ao trabalhador, principalmente no que se trata na limitação do trabalho, riscos e custos.
Nesse sentido, afirma Abílio[75]:
São, portanto, centrais nessas décadas de flexibilização do trabalho as crescentes indistinções entre o que é e o que não é tempo de trabalho, a perda de regulações públicas sobre o próprio espaço de trabalho, as novas formas de remuneração – que passam pelo banco de horas, a remuneração por metas e produtos, as bonificações, a participação nos lucros e resultados – que se traduzem ao mesmo tempo em controle sobre a produtividade e eliminação de direitos e proteções para o trabalhador.
Assim, pode-se dizer que nessas épocas de desenvolvimento das tecnologias e mudanças na cadeia produtiva; de centralização de capitais por empresas que passaram a se desvencilhar de riscos e custos; das novas formas de gestão e gerenciamento do trabalho, em que o trabalhador se autogerencia e também administra sua própria produtividade; foram estabelecidas formas de subordinação e controle de trabalho que deixaram claro que é possível terceirizar parte do gerenciamento, transferir custos e eliminar riscos, sem que isso significasse perda de produtividade ou controle sobre o trabalhador.
Segundo Alves[76], nos novos tempos foi preciso mirar em uma figura de trabalhador autogerente de si mesmo, que precisou se responsabilizar pela sua própria sobrevivência e permanência em um trabalho em que nada mais lhe é garantido.
Na visão de Abílio[77]:
A uberização consolida a passagem do estatuto de trabalhador para o de um nanoempresário-de-si permanentemente disponível ao trabalho; retira-lhe garantias mínimas ao mesmo tempo que mantém sua subordinação; ainda, se apropria, de modo administrado e produtivo, de uma perda de formas publicamente estabelecidas e reguladas do trabalho.
Isto é, o início da jornada do trabalhador uberizado é incerto, pois sua jornada não oferece nenhuma garantia sobre qual será sua carga de trabalho, remuneração ou tempo de trabalho necessário para obtê-la minimamente.
A maioria das decisões legais que negam o vínculo empregatício do trabalhador uberizado com as empresas de aplicativos partem do principio de que o trabalhador pode terminar sua própria jornada de trabalho e que não existe exclusividade, o que permitiria sua adesão a outras empresas-aplicativos.
No entanto, Abílio[78] propõe a reflexão de que é possível olhar para essa suposta autonomia com base em uma visão inversa:
A ausência de qualquer garantia ou obrigação por parte das empresas quanto à remuneração e à carga de trabalho oferecida vem obrigando o trabalhador a exercer jornadas extensas, a abolir dias de descanso, além de ter de aderir a mais de uma empresa-aplicativo para poder garantir sua remuneração – ao passo que o poder de definir o valor da remuneração, a distribuição do trabalho, as regras e critérios de distribuição e remuneração é de total propriedade das empresas.
Assim, o trabalhador passa a ter seu trabalho utilizado e remunerado na exata proporção de seu trabalho. Isso demonstra que o considerado empreendedor nada mais é do que o trabalhador que fica encarregado, de modo solitário, de promover sua própria reprodução social, porque é gerente de si mesmo e, ao mesmo tempo, continua subordinado às empresas.
Essa questão fica mais clara quando se percebe que as estratégias que o trabalhador poderia tomar encontram-se subordinadas às regras do jogo praticadas pelas empresas, que detém o poder de definir qual será o trabalho disponível para seu empregado e, ainda, o ganho dele ao realiza-lo.
Para elucidar melhor o caso, podemos citar o seguinte exemplo: pode-se perceber que nos dias de chuva, o motorista de aplicativo consegue ganhar mais, porque a corrida envolve maiores riscos; envolve também entender qual a área onde há maior demanda e os caminhos que demandem menos tempo para a entrega, o que poderá garantir melhores entregas posteriores.
Todos esses fatores, apesar de envolverem decisões pelo motorista, acabam sendo gerenciados pela empresa, cujo valor da demanda pode aumentar ou diminuir a partir da chuva, por exemplo ou, então, da distância. É o nítido controle realizado.
Assim, a condição do trabalhador just in time é estar em constante disponibilidade para ser imediatamente utilizado pelas empresas e, ao final, ser remunerado exatamente pelo que produziu, nada mais do que isso.
Dessa forma, o que se percebe é que trabalhadores decorrentes da Uberização tem suas metas definidas informalmente e, em verdade, encontram-se trabalhando o tempo que for preciso para obter valores que garantam uma renda mínima necessária.
3.3. A flexibilização do trabalho
Segundo propõe André, Prevot e Silva[79], o termo “flexibilidade” encontra-se associado à produção e ao trabalho, cuja vinculação se dá às mudanças operadas no processo de produção e no trabalho a partir da introdução do modelo Toyotista, em reposta à crise de acumulação fordista.
Essas mudanças tinham como escopo o enxugamento do contingente de trabalhadores, que era viabilizado pelo achatamento hierárquico. Isto é, havia o enxugamento de tarefas, a diminuição do numerário de cargos e também o incentivo à multifuncionalidade dos trabalhadores envolvidos.
A adoção de sistemas de automação e de sistematização contribuiu igualmente para a substituição do trabalho humano, bem como para a terceirização de atividades em redes de empresas subcontratadas.
Antigamente, a força de trabalho era uma só. Ou seja, o trabalhador participava de todos os elementos da produção. Contudo, com os novos sistemas fragmentaram esse setor, de modo que a divisão trouxe o enfraquecimento da força de trabalho e, consequentemente, dos movimentos sindicais.[80]
Segundo Antunes[81], essas mudanças foram percebidas no sistema de restruturação do próprio sistema capitalista, podendo ser compreendidas da seguinte forma:
A partir do início da década de 1970, como resposta do capital à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização produtiva em escala global, ainda que de modo bastante diferenciado, bem como de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan era a expressão mais forte. A isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e de trabalho, com o intuito de dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores
Importante pontuar que o sistema de flexibilização, apesar de se tratar de uma nova onda mundial, não ocorreu da mesma forma e no mesmo tempo em vários países.
No Brasil, especificamente, o modelo de produção Toyotista que impulsionou a flexibilidade produtiva teve início no ocidente por volta da década de 70, mas foi implementado nas empresas brasileiras apenas a partir de 1990, eis que acompanhado do discurso de movimento neoliberal, responsável por promover a integração do mercado naquela época.[82]
Na visão de Prado[83], a flexibilidade não foi fruto de uma escolha, mas de uma imposição global, pois os países que deixaram de aderir a estes modelos foram engolidos pelos sistemas monetários globais, razão pela qual a flexibilidade passou a ser a norma das empresas capitalistas no fim do século XX.
A flexibilidade, contudo, se ampliou em outros aspectos além do setor produtivo, passando a dar novos contornos a contratos, abrindo-se espaço para a acumulação flexível. Aliás, essa flexibilização somente foi possível porque a própria normativa trabalhista possibilitou novas formas de contratação e regulação do trabalho.[84]
Esse fator também se deu porque a crise económica favoreceu a flexibilização do trabalho, tendo em vista que os sindicatos precisaram ceder às pressões exercidas pelos empregadores para evitar uma onda avassaladora de desemprego.
Nesse sentido, explicaram André, Prevot e Silva[85]:
Este é um cenário que se assemelha ao visto atualmente no Brasil, com o aprofundamento da flexibilização das relações de trabalho que ganha força em razão da crise econômica e do alto número de desempregados, representada pela Lei Ordinária nº. 13.467 (2017), que autoriza que acordos coletivos se sobreponham à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Em havendo desregulamentação do trabalho, a tendência que se instalou levou em contra a diminuição dos números de empregados e, em contrapartida, o aumento das formas de contratação flexíveis.
Nesse cenário, André, Prevot e Silva[86] citam as legislações que abraçaram a flexibilização:
Várias legislações anteriores deram conta disto, como: a Lei nº. 6.019 (1974), que trata sobre o trabalho temporário; a Lei nº. 9.601 (1998), que versa sobre o contrato de trabalho por prazo determinado e banco de horas; a Medida Provisória nº. 2.164-41 (2001), que dispõe sobre trabalho a tempo parcial; a Lei nº. 10.101/2000, que aborda a participação nos lucros e resultados; e as Leis nº. 7.102 (1983), 8.863 (1994), 9.472 (1997) e a Súmula nº. 331 do Tribunal Superior do Trabalho (2011), que liberam a terceirização em alguns casos.
Ademais, a própria Constituição Federal em seu artigo 7º abriu a possibilidade de se flexibilizar ao destacar que a irredutibilidade de salários pode ocorrer nos casos em que esteja disposto em Acordo ou Convenção coletiva.
Todo esse movimento contribuiu para que as formas de trabalho, tal como oferecidas pela nova realidade digital e de uberização, diferentes dos vínculos tradicionalmente conhecidos, pudessem ser uma realidade.
Nesse sentido, Sennett[87] pontuou:
O que se pode identificar, a partir da literatura, é que existem múltiplas possibilidades de obtenção da flexibilidade, desde aquelas que passam pela implantação de mudanças na tecnologia, na gestão e na organização do trabalho, principalmente oriundas do toyotismo, até a flexibilização obtida pela desregulamentação, promovida pelas mudanças na legislação do trabalho. Esta última possibilita o avanço da contratação de terceirizados e de contratos temporários de trabalho, que extinguem os encargos previdenciários e fiscais sobre o trabalho. Nesse sentido, flexibilidade do trabalho passou “a significar uma agenda para a transferência de riscos e insegurança para os trabalhadores e suas famílias”
Apesar de a flexibilização ser uma realidade muito palpável, a crítica desse novo modelo se baseia na possibilidade de precarização.
Sennett[88], por sua vez entendia, entende que o modelo de carreira linear característico
do fordismo contribuía para a formação do caráter do indivíduo, já que as interações sociais promovidas por este modelo permitiam ao trabalhador compreender a importância da colaboração.
Não obstante, para o referido autor, a flexibilidade trouxe o questionamento quanto à forma rígida de trabalho, mas também acabou impondo novas formas de controle. Para ele, flexibilizar não significava necessariamente precarizar, mas, em alguns casos, sobretudo no Brasil, esta acabou sendo a consequência direta da flexibilização.
IV. A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E O CAPITALISMO DE PLATAFORMA
4.1. Precariedade na relação de trabalho
A precariedade do trabalho e em suas relações tem sido um tema amplamente discutido no âmbito trabalhista e tem encontrado amparo nos mais diversos discursos científicos.
Nas sociedades modernas, marcadas pela forte divisão social do trabalho e pela expansão das relações mercadológicas, o trabalho assumiu duas vertentes: a forma geral de trabalho remunerado – em que há retribuição monetária em função das demandas de bens e serviços -, e a forma de trabalho assalariado – em que é estabelecida uma relação de compra e venda da força de trabalho.[89]
O trabalho precário, nas últimas décadas, é o fator resultante do crescimento de globalização – a nível internacional e também no movimento acelerado de capital, produção e trabalho – e da expansão da lógica de desregulação e remoção de proteções sociais, calcadas naquilo que se denominou neoliberalismo.
Todas estas mudanças surgiram a partir da tecnologia, que passou a se solidificar por meio da computadorização, digitalização e demais avanços informáticos. E, em muitos países, apontou-se o crescimento do individualismo, fatores que contribuíram para o aumento do trabalho precário.[90]
O crescimento do trabalho precário tem surgido como uma preocupação contemporânea mundial desde os anos de 1970, principalmente por se tratar de trabalho incerto e imprevisível, no qual os riscos empregatícios deixam de ser assumidos pelo tomador de serviço. Exemplos disso são as atividades no setor informal e empregos temporários no setor formal.
A década de 80 constituiu verdadeiro marco em termos de mudanças que influenciaram diretamente o trabalho, dentre elas a tecnologia e as novas formas de organização e gestão, que refletiram novas relações trabalhistas.[91]
Por não ser considerado nenhum tipo de novidade, o trabalho precário, quando observado historicamente, é tido como condição “normal” para a maioria das economias capitalistas.[92]
Em se tratando das consequências trazidas, é importante estabelecer que o trabalho precário tem inúmeras consequências negativas, já que não assola somente o trabalhador, mas a sociedade como um todo.
A esse respeito Kalleberg[93] faz importante consideração:
Já que o trabalho está intimamente ligado a outros eventos sociais, econômicos e políticos, o crescimento do trabalho precário e da insegurança também teve efeitos extensos em fenômenos relacionados ou não ao trabalho. O trabalho precário produziu insegurança econômica e volatilidade econômica para indivíduos e lares. Contribuiu para a crescente desigualdade econômica e reforçou os sistemas distributivos altamente desiguais e injustos tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.
Isso porque o trabalho precário tornou a vida em família muito mais insegura, já que as incertezas que fazem parte do risco e da tecnologia, assumidas pelo trabalhador, colocam em risco as decisões tomadas pelas pessoas que vivem em conjunto.
Luna e Klein[94] entendem que a insegurança trazida pela precariedade também são responsáveis por aumentar as tensões sociais. Isso porque, pode haver contribuição para atitudes negativas em relação a imigrantes, que, na maioria dos casos, se dispõem a trabalhar por salários mais baixos e toleram condições de trabalho mais desfavoráveis do que os trabalhadores nativos
Kalleberg[95] em seu artigo trouxe as sete dimensões da precariedade identificadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), alertando que todas encontram-se interrelacionadas, já algumas podem ser a “causa” das outras. Contudo, cinco dimensões afetam diretamente o emprego e trabalho. São elas:
(i) Insegurança do mercado de trabalho (falta de oportunidades de emprego);
(ii) Insegurança do trabalho (proteção inadequada contra a perda de emprego ou despedida arbitrária);
(iii) Insegurança de emprego (inabilidade em continuar em uma ocupação particular devido à falta de delimitações de ofício e qualificações de trabalho);
(iv) Insegurança de segurança e saúde (condições precárias de segurança ocupacional e saúde);
(v) Insegurança de reprodução de experiência (falta de acesso à educação básica e treinamento vocacional).
Esses fatores são observados a partir da associação do trabalho precário às diferenças em empregos na economia formal, tal como desigualdade de salários, falta de segurança, vulnerabilidade dos trabalhadores e demissões em massa.
Inclusive, o crescimento da precariedade na economia formal refletiu em vários indicadores, entre eles: a redução do período em que o trabalhador permanece contratado; o aumento no desemprego a longo prazo; aumento de acordos fora de normatização, em que trabalhadores são contratados temporariamente; deslocamento de risco dos empregadores para os empregados.
Nos casos de países menos desenvolvidos, o trabalho precário muitas vezes é padrão e encontra-se ligado à economia informal.
Segundo Kalleberg[96], “o trabalho na economia informal é via de regra precário, já que geralmente os trabalhadores não recebem os mesmos níveis de proteção social que recebem os trabalhadores do setor formal”.
No caso do Brasil, o crescimento do setor informal está ligado às leis trabalhistas, que tornam difícil a demissão e deixam o empregador relutante em fazer novas contratações. Ademais, empregadores precisam pagar uma taxa ao governo para cada trabalhador, tal como o INSS, além do salário. Essas condições criam incentivos para a contratação de pessoas no setor informal, já que o tomador de serviço não quer ter vultuosidade de gastos em sua conta ao final do mês.
Com esse conjunto de conceitos e processos, articulados às características estruturais do mercado de trabalho atual, o Brasil tem se colocado como verdadeiro laboratório para “produção e reprodução das típicas formas de exploração e dominação de trabalho”.[97]
Isso se dá por conta da expressiva taxa de informalidade e desemprego, que aprofundam as características da precariedade, apontando para a possibilidade de evidenciar o país como exemplo de novas tendências de supervisão e controle de trabalho, baseadas em tecnologias e na microeletrônica.
Casili e Posada[98], neste sentido, afirma:
No que refere à atualização de antigas estratégias de controle e intensificação do trabalho, pode-se destacar, por exemplo, a adoção do salário por peça/por tarefa ou produtividade mas também em relação aos entregadores e motoristas subordinados por meio de plataformas digitais, nota-se a presença dessa modalidade de remuneração. Esse tipo de assalariamento disfarçado tem consequências negativas sobre as condições de trabalho e de vida do trabalhador, na medida em que este incorpora o controle sobre o seu ritmo de trabalho, estabelecendo metas e jornadas mais intensas e longas, em busca de melhores rendimentos.
Segundo [99], apesar de se falar de gerenciamento algorítmico, trabalho just-in-time, aplicativos e plataformas digitais, softwares de monitoramento e controle do trabalho, inteligência artificial e, ainda se trata, basicamente, de uma produção de tipo cooperativa-industrial. Isto é, um tipo de produção que organiza uma massa de trabalhadores – seja por dispersão ou no mesmo local de trabalho – extraindo dessa organização e com base em uma persistente subordinação, o trabalho não pago.
Vale acrescentar que essa subordinação se dá por meio de produção que permite imposição de novas formas de trabalho - o autogerenciamento, controle e monitoramento (por meio de algorítimos) – de desligamento ou adesão, de condutas e de comportamento empreendedor. Isto é, “um tipo de produção na qual o trabalhador, individual ou coletivo, não interfere diretamente no “quê” e no “como” se produz, seja uma mercadoria tangível ou intangível, seja um serviço que se realiza remota ou presencialmente”.[100]
Assim, o que se pode perceber é que a forma industrial ainda se mantém, ainda que deixando em ruínas os trabalhos em fábricas.
Essa afirmação se faz possível porque os meios de produção, ainda que se encontrem separados os trabalhadores, continuam dando às empresas concentração de capital, poderio e o domínio sobre o quê se produz.
Não obstante, a cooperação ainda permanece como principio básico de organização de trabalho, seja ela “uberizada” ou “plataformizada”. Isso quer dizer que as empresas se aproveitam das combinações de trabalhadores para cumprir o objetivo estratégico de produção, criando uma força de trabalho coletiva da qual se apoderam dos lucros.
4.2. Influência do Capitalismo no mundo digital
O trabalho assalariado foi estruturado no século XIX e adquiriu a sua centralidade na organização da sociedade industrial. Contudo, foi com o final da Primeira Guerra Mundial que se formalizaram os primeiros direitos trabalhistas.[101]
Segundo Harvey[102], uma nova cultura do trabalho com formas específicas de relações no espaço fabril foi implementada, na indústria automobilista de Henry Ford no ano de 1914, marcando uma fase de reacomodação do capitalismo por meio do trabalho disciplinado dentro do controle de tempo e com o controle dos movimentos do trabalhador.
O modelo Taylorista Fordista somente se estabeleceu no Brasil por conta dos parâmetros de regularização para atrair o capital estrangeiro e suas multinacionais para o país, visando seu desenvolvimento, de modo que os direitos sociais se tornaram o centro das condições de cidadania.
No final do século XX as sociedades contemporâneas foram caracterizadas por céleres transformações, compostas de uma complexidade de difícil interpretação, o que se tornou ainda mais inalcançável por conta da globalização.
Na visão de Chaves[103]:
Os anos de 1980 foram marcados por profundas mudanças no mundo do trabalho intrínseco ao capitalismo tendo destaque as alterações nas maneiras de organização da estrutura produtiva formando o quadro de reestruturação produtiva. Um dos elementos responsáveis por estas mudanças foi o avanço tecnológico por meio da microeletrônica, levando à automação, modificando os processos produtivos do espaço fabril.
A ocorrência dessas mudanças foi considerada estratégia do capitalismo para otimizar a dinâmica produtiva conduzindo a uma maior exploração da força de trabalho e visando, igualmente, assegurar à sua subsunção desta ao capital. A situação acabou impondo o aprofundamento da subordinação da força de trabalho ao capital investido.
A restruturação produtiva fez com que a demanda legislativa se destinasse a atender à estrutura da relação entre capital e trabalho, dando espaço à flexibilização dos contratos de trabalho. Tais propostas enunciavam perda de direitos dos trabalhadores, respondendo às necessidades da nova normativa produtiva criada pelo capitalismo, de modo que as condições de trabalho, emprego e remuneração foram drasticamente afetadas.[104]
A relação estabelecida por Marx ao dizer que o trabalho é o único meio de produzir riquezas acontece, contudo, de forma desigual, uma vez que a força produtiva encontra no próprio mercado capitalista um campo complexo e contraditório, atrelado à lei da oferta e da procura.[105]
No século XX, o emprego da ciência aos modos produtivos elevou o patamar de desenvolvimento do capitalismo por intermédio do conhecimento cientifico na utilização da produção.
Assim, pode-se dizer que o desenvolvimento tecnológico reorganizou “o espaço da produção e dos serviços majorando o lucro em razão da redução do tempo de produção e distribuição das mercadorias, alcançando a organização do trabalho com alterações sociais e econômicas”. [106]
Essas novas tecnológicas serviram para afetar as relações ligados ao trabalho assalariados, conduzindo à redução de postos de trabalho e fomentando a redução dos direitos garantidos no marco legal com o objetivo de garantir a reprodução das novas modalidades capitalistas de mercado.
A ascensão do capitalismo colocou a normativa trabalhista como verdadeiro entrave, tornando-a responsável pelo desemprego e também como obstáculo para a dinamização da economia, uma vez que não permitia o descarte da força de trabalho sem custos, e ainda vinculava vários direitos, tal como a jornada de quarenta horas semanais, a indenização por horas extras e as férias anuais pagas pelo tomador.
O processo que envolveu a retroação de direitos trabalhistas estava muito ligado ao pensamento neoliberal, de modo que Sennett[107] afirmava que o discurso da época envolvia o seguinte pedido: “Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos a mudanças a curto prazo, assumam risco continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais”.
A questão mais entusiasta do capitalismo flexível concentrava-se na incerteza do dia seguinte, imposta ao trabalhador. Segundo Sennett[108], “o capitalismo afirma ser necessário combater a rigidez das relações trabalhista por meio da flexibilização trabalhista vinculada a ideia liberdade para o trabalhador delinear a sua própria vida”.
Essa ideia alcançou o modelo de negócios organizados por aplicativos, apresentado como plataformas digitais, cujo objetivo é conectar consumidores a serviços.
Assim, pode-se dizer que surgiu o modelo de negócios denominado startups, organizado pelo uso de plataformas digitais e que foi responsável por implementar o trabalho por demanda.
Segundo Chaves [109], o capitalismo de plataforma trouxe uma relação de trabalho baseada na autonomia do prestador de serviços por meio de gestão baseada na conexão digital entre o cliente o prestador.
Nas palavras de Slee[110], restou incontroversa a “economia de bicos”, já que tal mudança de organização empresarial provocou a imersão desse modelo de negócio no trabalho precarizado, com trabalhadores desprovidos de relação contratual e realizando serviços por conta próprio – o famigerado autogerenciamento.
Como se sabe, as tecnologias de informação e comunicação se configuraram como elemento central entre os mecanismos de acumulação trazidos pelo capital financeiro da modernidade.
Houve a ruptura, portanto, do modelo que permeava a estrutura da relação entre capital e trabalho organizado, oriundo da fase Taylorista e Fordista, em tese responsável por amparar a desigualdade do capital com a força de trabalho, juntamente com as normas de Direito do Trabalho.
O uso de aplicativos e da tecnologia conseguiu modificar instituições e flexibilizar as relações de trabalho a nível mundial, resultando no livre mercado com legislação protetiva relativa.
Na visão de Chaves[111], “os aplicativos de serviço e transporte são exemplos das perversas característica do capitalismo, usuário da inteligência artificial para a melhor locomoção das pessoas e distribuição de mercadorias”.
Assim, o trabalho formal atrelado ao piso salarial tornou-se precário, por isso, a sociedade começou a ser valer da informalidade para a sua própria sobrevivência.
Dessa forma, o uso da tecnologia digital permitiu o enxugamento da força de trabalho e efetivou a subsunção do trabalho ao capital por meio da substituição do considerado “trabalho vivo” pelo trabalho embasado na tecnologia.
4.3. A questão social por trás da Uberização
A questão social nada mais é do que o conjunto de expressões das desigualdades sociais encontradas na sociedade capitalista.
A Uberização decorreu de um inevitável processo de emergência do trabalhador que se dispõe a vender sua força de trabalho para suprir suas necessidades vitais. Isto é, uma das consequências diretas das relações de trabalho em um sistema econômico que se baseou na propriedade privadas dos meios de produção e que tem como principais objetivos o lucro e a acumulação sem fim de riquezas.[112]
Iamamoto[113] afirma que a questão social pode ser tida como expressão ampliada de desigualdades sociais. Assim, pela perspectiva sociológica, significa uma ameaça à ordem e coesão social.
O início da questão social aconteceu no início do século XIX, na Inglaterra, durante a primeira etapa do processo de urbanização e industrialização, e, desde então, se projetou no tempo, transpassou gerações e adquiriu nova expressão em meio à modernidade.
A Uberização, expressão utilizada para representar a totalidade das relações de trabalho decorrentes da chamada economia de compartilhamento foi identificada como elemento intensificador da questão social.[114]
As normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que regulam as relações trabalhistas no Brasil servem de meio para regular o equilíbrio mínimo entre o trabalhador e seu tomador de serviço.
O Estado, por sua vez, age para buscar a equalização entre patrão e empregado, de modo que as relações que correm à revelia dele possivelmente apresentam desvios que comprometem o ideal de justiça usado para o desenvolvimento de uma sociedade livre.
Contudo, sabe-se que a regularidade nas relações de trabalho significa um custo adicional à maioria das empresas, de modo que acabam sendo também uma espécie de lisura, mostrando o respeito com que a entidade administra seus deveres e respeita os direitos dos trabalhadores.
Iamamoto[115] entende que existem outras importantes razões para o cumprimento de normas trabalhistas: no plano externo, pode-ser dizer que a concorrência legal é realizada pela Organização Internacional do Trabalho ao tentar estabelecer patamares mínimos para as relações de trabalho que envolvem seus signatários; enquanto que no plano interno dos países, caso não estabelecidos padrões mínimos de normas trabalhistas, empresa nenhuma poderá participar de forma justa da livre concorrência que faz parte das democracias mundialmente conhecidas.
Segundo [116], a imperatividade trazida pelas normas trabalhistas representa verdadeiro símbolo de desenvolvimento civilizatório de uma nação, cuja conquista custou séculos de avanço por meio de lutas sociais.
Os atuais modelos de negócio de estratégias empresariais se reinventaram, de modo que os paradigmas atuais não são mais os mesmos que encontrados antigamente, por essa razão que a questão que envolve a economia compartilhada é de relevante discussão no Direito do Trabalho.
Nos últimos anos, pode-se dizer que a apresentação dessa nova dinâmica laboral marcada pela tecnologia foi alvo de muito estudo, principalmente por sua íntima relação com o capitalismo e a exploração do trabalho.
A uberização, neste caso, revelou-se como verdadeiro protótipo apta a “maquiar a relação de expropriação do trabalho alheio, simulando uma relação de empreendedorismo entre os envolvidos”.[117]
Nas palavras de Iamamoto[118], a reflexão que se exige é no sentido de que essa tendência de definir relações de trabalho como relações de empreendedorismo, como se uma das partes envolvidas tivesse mais do que sua própria força de trabalho para oferecer, é que promove um verdadeiro esvaziamento da realidade, em que se percebe a mitigação dos direitos trabalhistas.
4.4. A Uberização versus relações de trabalho
Segundo Antunes[119], a Uberização é um processo em que relações de trabalho são constantemente individualizadas e invisibilizadas, de modo a assumir uma aparência de “prestação de serviços” e permeando relações de assalariamento e exploração de trabalho.
A expansão informacional-digital sob o comando dos capitais, em particular o financeiro, têm imperado e tripudiado sobre as relações de trabalho.
Em verdade, a flexibilização, a informalidade e a flexibilidade se tornaram parte inseparáveis do pragmatismo das empresas corporativas e globalizadas. E, com elas a “intermitência vem se tornando um dos elementos mais corrosivos da proteção do trabalho, que foi resultado de lutas históricas e seculares da classe trabalhadora em tanta parte do mundo”.[120]
Em sua obra, Antunes[121] cita o tipo de mais trabalho que se expande sob o capitalismo de nosso tempo: o zero hour contract (contrato de zero hora), que nasceu no Reino Unido e se esparrama pelo mundo, facilitando a contratadores de trabalhadores das mais diversas atividades, que ficam à disposição de uma plataforma.
Assim, as pessoas ficam à espera de uma chamada via Smartphone e recebem nos estritos limites daquilo que fizeram, sem receber nada em troca pelo tempo que ficaram esperando.
Essa modalidade, inclusive, tem sido utilizada nas mais diversas demandas, envolvendo médicos, cuidadores de crianças, enfermeiras, serviços de limpeza, advogados, entre tantas outras profissões, cuja expansão do trabalho viabilizada pelos aplicativos acaba tornando-os invisíveis, diminuindo potencialmente seu campo de visão e percepção quanto à seara trabalhista.
Antunes[122] também destaca o serviço oferecido pela Uber, em que trabalhadores utilizam seus automóveis como instrumentos de trabalho e arcam sozinhos com as despesas, manutenção, alimentação, limpezas, seguros, entre outros gastos, enquanto o aplicativo se apropria do valor gerado pelo “sobretrabalho dos motoristas sem nenhuma regulação social do trabalho”.
No entanto, é importante ressaltar que a perversidade do sistema da Uber é mais evidente do que a zero hour contract, na medida que se os motoristas eventualmente recusarem as solicitações, correm o risco de punições ou até banimentos da rede. Isto é, o banimento apresenta-se disfarçadamente como demissão, o que caracteriza, ainda mais, a relação de trabalho.
Não obstante, recentemente na Itália desenvolveu-se uma nova modalidade de trabalho em que foi instituído um voucher. Essa modalidade é assim denominada porque os trabalhadores recebiam vouchers pelas horas de trabalho, podendo troca-los pelo equivalente à moeda corrente no país. Nesse sentido, apontou Antunes[123]:
Se não bastasse esse vilipêndio (que, em Portugal, denomina-se trabalho pago por “recibos verdes”), os trabalhos excedentes muitas vezes são oferecidos “por fora” do pagamento oficial por vouchers, isto é, pagando-se ainda menos do que o salário mínimo oficial, o que significa uma precarização ainda maior do trabalho ocasional e intermitente, como se existisse uma precarização legal e outra ilegal.
Por conta desses tipos de exploração intensificada, seja pelos ritmos, pelo tempo ou pelos movimentos, essas novas formas de trabalho devem ser combatidas pelos trabalhadores, por afrontarem uma gama de princípios e direitos trabalhistas.
Abílio [124] também relembra as questões envolvendo as revendedoras de comésticos, incluídas em trabalhamos legalmente informais. Isso porque, o trabalho realizado por elas não é assim visto, mas como um exercício de socialidade, um meio para promoção de beleza e até para a promoção de responsabilidade ambiental.
Em se tratando das empresas de aplicativo, a ausência de predeterminações sobre a jornada de trabalho, sobre a dedicação a uma única empresa-aplicativo e sobre procedimentos envolvendo a execução do trabalho coloca o tomador de serviços em um ambiente muito tranquilo: de um lado, ele incentiva o trabalhador a se tornar empreendedor e, de outro, lhe garante que o trabalho de plataforma não guarde vínculos empregatícios.
Isso acontece porque o motorista, de uma hora para outra, por exemplo, passa a trabalhar para garantir o financiamento de seu carro. E assim, assume os custos e o autogerenciamento de seu trabalho.
Porém, Abílio[125] bem explica que em todos estes casos, a adesão significa o engajamento em atividades que trazem riscos e custos ao mesmo tempo em que oferecem nenhuma garantia, direito ou proteção.
4.4.1. A experiência de revendedoras de cosméticos e o crowdsourcing
Segundo Abílio[126], uma pesquisa envolvendo revendedoras de cosméticos par auma única empresa, a Natura, desde antigamente já delineava questões fortemente ligadas ao trabalho de plataforma, mas que, na época, foram analisadas sob o viés da informalidade e de exploração de trabalho feminino.
O estudo, à época, tratava da ocupação tipicamente feminina e possibilitou a identificação de trabalho realizado sob o gerenciamento de multidão, que ganharia mais tarde o nome de crowdsourcing.
Com o crescimento de milhares de adesões ao programa da Natura, cada vez mais se questionava como funcionaria a organização de uma empresa diante da distribuição de um exército de trabalhadoras informais ao redor do mundo. Foi possível concluir que estava em jogo um novo tipo de trabalho com nova forma de organização e controle, que também funcionava com modos de engajamento e mobilização de trabalhadores.
Abílio[127] afirmou que esse contingente não tinha um público em específico, pelo contrário, não havia contrato de trabalho, mas contrato de adesão ao trabalho, em que não eram estabelecidos pré-requisitos, e sim habilidades, estratégias pessoais e a permanência na atividade para garantia de sucesso.
Dessa forma, se compreendeu que o crowdsourcing era uma nova forma de controle e organização do trabalho, podendo ser entendido como um novo tipo de terceirização que caminho junto com a perda de formas de trabalho. Nada mais é do que o deslocamento da constituição da identidade profissional para a área de um trabalho amador.
Nesse sentido, essa flexibilidade da forma de trabalho encontra-se bem administrada: as tecnologias da informação permitem a informalidade e a consagração do trabalhador just in time, características estas que se retroalimentam; cada trabalhador – seja a revendedoras, o motorista da Uber, o proprietário do imóvel na Airbnb – é apenas mais um número em meio a milhares de cadastrados; o seu trabalho nada mais é do que um fluxo de pedidos consubstanciado em conjunto de dados que determina o que será fornecido e o que será produzido; e tudo isso permite com que a empresa trabalhe com níveis baixos de estoque, nos casos de produtos, e com uma alta taxa de inovação por conta dos algorítimos gerados.[128]
Dessa forma, o tempo das revendas pauta o tamanho da produção, e os custos de estoque ficam à cargo de revendedoras, uma vez que os produtos ficam dispersos em suas gavetas, categorizando relações informais, sem predeterminações e garantias legais.
4.5. O modelo de Uberização e seu reconhecimento no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
O modelo de Uberização se já se faz presente na sociedade moderna e cada vez mais têm ganhado contornos novos.
Esses contornos deixaram de fazer parte da doutrina e passaram a ser observados nos julgamentos realizados pelos Tribunais Regionais do Trabalho, localizados em diversas regiões, segundo o a competência que cabe a cada um deles, dentro do território nacional.
Ao analisar, especificamente, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região, foi possível observar que a Uberização tem feito parte de diversas decisões emanadas por diferentes Magistrados e Desembargadores.
É o caso, portanto, do Acórdão de relatoria do Desembargador Relator Jorge Luiz Souto Maior, no PROCESSO TRT/15a n.º 0010894-28.2017.5.15.0121, em que houve confirmação da sentença de primeiro grau quanto ao reconhecimento do vínculo empregatício da parte Autora e caracterização da Uberização para dissuadir o vínculo empregatício, ressaltando a precarização desse tipo de relação de trabalho. Veja-se um excerto da decisão:
Na verdade, a reclamada organizou o seu negócio para, ao mesmo tempo, gerenciar e controlar o trabalho das vendedoras e burlar a legislação trabalhista, tentando dificultar seu enquadramento nos parâmetros legais de relação de emprego, previstos no artigo 3º da CLT.
Contudo, não há dúvida que existe pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação na relação entre as vendedoras e a reclamada.
Depreende-se da prova testemunhal realizada em audiência de 501/503, que a reclamante era responsável pela formação e atuação de equipes de vendedoras, bem como pelas vendas de produtos, conforme estrutura empresarial estabelecida pela reclamada.
Além de possuir método de fiscalização de seu trabalho, a reclamada também explorava a própria capacidade da reclamante de organizar e gerenciar seu trabalho, o que não afasta a subordinação, mas enseja o aprofundamento da exploração do trabalho.
Essa situação, ademais, não se limita à hipótese dos autos, mas se insere no atual contexto de tentativa de burlar a legislação trabalhista e aumentar a exploração do trabalho, que passou a ser denominada de uberização, considerando que a empresa Uber tornou essa tentativa ainda mais explícita.
Ludmila Costhek aponta que a uberização pode ser entendida como o resultado final da precarização iniciada há décadas.
Ainda sobre este caso, restou configurada a relação trabalhista entre a Autora e a empresa Natura, cuja visão de Abílio[129] ressalta o autogerenciamento e o trabalho just in time das vendedoras da marca, conforme se vê abaixo:
As revendedoras de cosméticos, só para a empresa Natura, hoje são mais de um 1,4 milhão de mulheres no Brasil. Com os mais diversos perfis socioeconômicos, diaristas, secretárias, professoras, donas de casa, entre tantas outras, combinam sua profissão, ou a ausência dela, com as revendas. As revendas têm uma capilaridade impressionante com a vida pessoal e com outras ocupações. Vender ao longo da jornada de trabalho na escola, no escritório, vender nas festas de família, promover oficinas de maquiagem nas férias, distribuir produtos na repartição pública: o que a pesquisa evidenciou foi uma plena adesão a um trabalho sem forma trabalho, e é justamente essa falta de formas que possibilita sua permeabilidade com outras atividades.
Não obstante, no julgamento do processo n. 0010592-78.2021.5.15.0017 (RORSum), a Desembargadora Relatora Erodite Ribeiro dos Santos reconheceu o fenómeno da uberizacão. Veja-se:
[...] Não se ignora o fenômeno recentemente denominado "uberização", tampouco a força de penetração social desse novo modelo de trabalho via aplicativo de dispositivo móvel. Assim também, não se olvida o alargamento da ideia de subordinação e as noções de subordinação objetiva, como a estrutural e a integrativa [...].
Este mesmo Tribunal Regional possui precedentes envolvendo a empresa Uber, cuja decisão foi exarada no processo n. 0011710-15.2019.5.15.0032, da Colenda 6ª Câmara, de relatoria do Excelentíssimo Desembargador João Batista Martins César, que registrou a seguinte ementa:
"(...) TRABALHO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS (crowd economy, gig economy, freelance economy - economia sob demanda). VÍNCULO DE EMPREGO. 1. O reclamante afirmou, na inicial, que foi admitido pela reclamada, como motorista, com salário mensal médio de R$ 3.000,00. Relatou que mantiveram dois contratos de trabalho: o primeiro de 10/08/2017 a 17/07/2018 e o segundo de 26/07/2019 a 24/09/2019. Sustentou a presença dos requisitos previstos no artigo 3º da CLT e postulou o reconhecimento da relação de emprego. 2. A reclamada alegou que a relação jurídica com os 'motoristas parceiros' não é de emprego. 3. Ao admitir a prestação de serviços, a empresa atraiu o ônus de demonstrar fato impeditivo ao direito (artigo 818, I, da CLT), encargo do qual não se desincumbiu a contento. 4. O contrato oferecido pela plataforma ao passageiro evidencia que a natureza da atividade é de transporte. É cediço que o seu lucro não advém do aluguel pela utilização da plataforma, mas dos serviços de transporte de passageiros e cargas leves. 5. Para desenvolver o negócio que a transformou em uma das maiores empresas do mundo, a UBER precisa manter à sua disposição um grande quantitativo de trabalhadores (crowd) aptos a executar a viagem contratada imediatamente após a formalização do contrato de transporte entre o passageiro e a empresa. Portanto, necessita que os motoristas estejam vinculados à atividade econômica que desenvolve, disponibilizando lhe seu tempo e sob a sua direção, pois não há outro modo de apresentar-se ao mercado com presteza e agilidade no atendimento dos serviços de transporte que oferece nas 24 horas do dia, incluídos domingos e feriados. 6. Nesse contexto, diante do princípio da primazia da realidade, reconhece-se que a atividade preponderante da ré é o transporte de passageiros, independentemente do que conste formalmente do seu instrumento societário e dos contratos que induzem a ideia de que o motorista, objetivando aproximação com os clientes, celebrou contrato de aluguel da plataforma. 7. A respeito dos requisitos da relação de emprego, oportuno esclarecer alguns aspectos: a) a não-eventualidade diz respeito à continuidade, de modo intermitente ou contínuo, do labor prestado pelo trabalhador em favor da empresa; b) a CLT equipara os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados àquela empreendida por meios pessoais e diretos (parágrafo único do art. 6º); c) a liberdade quanto ao cumprimento da jornada de trabalho não é óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego; d) a exclusividade não é requisito caracterizador da relação empregatícia. 8. O preposto da reclamada admitiu a existência de restrição à autonomia do trabalhador com relação à forma de recebimento e ao veículo a ser utilizado ao afirmar que 'em pagamentos em dinheiro, o motorista pode conceder descontos, mas não nos realizados via cartão de crédito; (...) o motorista tem a obrigação de indicar qual o veículo que será utilizado na plataforma; a exigência da UBER é que os veículos sejam posteriores ao ano de 2009'. 9. A primeira testemunha da reclamada confirmou a grande ingerência da empresa nas atividades desenvolvidas pelos motoristas (subordinação), bem como a adoção de sistema de avaliação dos trabalhadores (poder disciplinar/subordinação) e os estímulos como o pagamento de bônus e prêmios, inclusive para aumentar o período de disponibilidade do trabalhador à empresa, 10. A segunda testemunha da reclamada confirmou que os trabalhadores não têm autonomia sobre os valores cobrados (subordinação); recebem bônus e/ou premiações e podem ser advertidos e até dispensados (poder diretivo / subordinação) se não se adequarem à política da empresa e insistirem em condutas que possam gerar prejuízos à plataforma (alteridade). 11. Da análise da prova dos autos, percebe-se que a subordinação se revela de várias formas: a) cobranças sofridas pelos motoristas, de modo a realizar o maior número possível de viagens; b) distribuição dos trabalhadores, pelo aplicativo, nas diversas áreas da cidade, de modo a atenderem regularmente maior número de clientes; c) os motoristas conhecem o destino da viagem apenas no seu início, nunca antes, o que esvazia a sua autonomia com relação à organização da atividade, já que o poder sobre a distribuição das viagens pertence à plataforma; d) a UBER fiscaliza a atuação dos condutores, por meio dos próprios usuários, que recebem mensagem para avaliação; e) a ré recebe reclamações dos clientes e aplica penalidades aos motoristas, exercendo poder disciplinar por meio de advertências, suspensões e desligamento da plataforma; f) as movimentações do trabalhador são monitoradas em tempo real, por meio de sistema operacional via satélite; g) o trabalhador não tem qualquer ingerência no preço final que é cobrado do cliente. 12. Frise-se, o motorista de aplicativos de transporte não possui qualquer influência na negociação do preço e na cobrança do serviço ao cliente. A definição do valor da corrida, inclusive com relação à fixação dos chamados preços dinâmicos (conforme horário e demanda do serviço), é feita exclusivamente pela empresa. O valor é cobrado, na maior parte, por meio de cartões previamente cadastrados no aplicativo. A gestão da negociação do preço do serviço, portanto, pertence ao detentor do aplicativo e não ao motorista. 13. Estando presentes todos os requisitos do art. 3º da CLT, com base na análise da prova oral e documental, sobretudo diante a verificação da existência de meios telemáticos e automatizados de comando, controle e supervisão (parágrafo único do art. 6º da CLT), deve ser reconhecida a relação de emprego. TRABALHO EM PLATAFORMAS. GIG ECONOMY. 1. O Brasil deve cumprir as normas internacionais do trabalho, que têm por objetivo orientar os esforços das nações para estabelecer patamares mínimos de direitos trabalhistas, com vistas à promoção da dignidade humana - o que é particularmente relevante no contexto da evolução tecnológica que desencadeou o fenômeno global de transformação das formas de trabalho, que devem ser analisadas à luz da valorização da pessoa humana e da sua dignidade, saúde e segurança. 2. Essa tendência de modificação no modelo tradicional do trabalho lastreado nas relações de emprego, com o crescimento da chamada Economia de Aplicativos, incrementada pela ascensão da inteligência artificial e robótica, merece olhar atento da sociedade, como alerta a OIT nos documentos intitulados Strengthening social protection for the future of work e Trabalho para um futuro mais brilhante. 3. O desafio, alerta a OIT, reside no fato de que as políticas sociais foram pensadas para os trabalhadores que se enquadram nas relações de emprego padrão (emprego). O trabalho por aplicativo, muitas vezes, é mal remunerado, inclusive abaixo do salário-mínimo, e não existem mecanismos oficiais para lidar com o tratamento injusto. A organização recomendou o desenvolvimento de um sistema de governança que defina e exija que as plataformas respeitem certos direitos e proteções mínimos. 4. A faceta moderna da organização do trabalho é o controle por programação ou comandos (ou por algoritmo). A partir da programação, da estipulação de regras e comandos preordenados e mutáveis (pelo programador), ao trabalhador é incumbida a capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos para realizar os objetivos assinalados pelo programa. Os trabalhadores, nesse novo modelo, devem estar mobilizados e disponíveis à realização dos objetivos que lhe são consignados. Existe uma suposta e conveniente autonomia do motorista, subordinada à telemática e ao controlador do aplicativo. Trata-se da direção por objetivos. 5. O algoritmo, que pode ser modificado a qualquer momento, pela reprogramação (inputs), garante que os resultados finais esperados (outputs) sejam alcançados sem a necessidade de dar ordens diretas aos trabalhadores, que, na prática, não agem livremente, mas exprimem reações esperadas. Aqueles que seguem a programação recebem premiações, na forma de bonificações e prêmios, enquanto aqueles que não se adaptarem aos comandos e objetivos são punidos ou desligados. 6. Ressalte-se que a empresa instrumentaliza o serviço durante todo o dia por meio de estímulo às jornadas extensas, com prêmios. O algoritmo procura melhorar a remuneração desses trabalhadores nos horários em que há maior necessidade dos usuários da plataforma. 7. Passa-se da ficção do trabalhador-mercadoria para a ficção do trabalhador-livre. (...)." (destaques do original).
Muito embora a questão da Uberização faça parte da pauta de diversas decisões no respectivo Tribunal Regional do Trabalho 15ª Região, o reconhecimento do vínculo de trabalho envolvendo esse tipo de novo modelo organizacional não é uma vertente certa. Isto é, algumas decisões rejeitam o vínculo baseadas no autogerenciamento e também na possibilidade de exercício do trabalho em moldes delimitados pelo próprio trabalhador, contudo, as recentes decisões têm demonstrado a grande inclinação em reconhecer o vínculo. Veja-se:
EMENTA: UBER DO BRASIL. MOTORISTA. RELAÇÃO DE EMPREGO RECONHECIDA. AVANÇOS TECNOLÓGICOS NÃO LEGITIMAM O TRABALHO PRECARIZADO. DIREITOS FUNDAMENTAIS NÃO SE VERGAM DIANTE DO PODER ECONÔMICO. NÃO HÁ PRIVILÉGIO NA SERVIDÃO. Do ponto de vista abstrato, o primeiro grande obstáculo que se tem verificado para a compreensão do trabalho prestado por intermédio de aplicativos situa-se na incompreensão do que seja, juridicamente, uma relação de emprego. Muitos julgados, que negam a existência de uma relação de emprego na situação em questão, apegam-se no argumento de que o trabalhador não está subordinado, apoiando-se, para tanto, em dois fatos: que o trabalhador tem liberdade para escolher seu horário de trabalho e que não é punido caso não trabalhe. O trabalhador, portanto, não estaria sob o comando do empregador e sua atividade seria auto-gestada, podendo-se, assim, também concluir, que o que se tem, em concreto, é um trabalho prestado "pelo" aplicativo e não "para" o aplicativo, argumento este, inclusive, que aparece como ponto central do recurso apresentado pela reclamada nos presentes autos. A este respeito não se pode deixar de apontar para o aspecto meramente retórico da argumentação, pois o aplicativo não é sujeito de direito e, portanto, não poderia sequer ser considerado para efeito da análise jurídica. O aplicativo não tem vida própria, não expressa vontades, desejos e, portanto, não fixa metas ou comandos. Não é nada mais do que uma coisa, um objeto ou, mais especificamente, uma ferramenta. Argumentar, para negar o vínculo de emprego, que o trabalho é prestado "pelo" aplicativo e não "para" o aplicativo não tem qualquer significado concreto, do ponto de vista jurídico, pois equivale a afirmar, com relação a um pedreiro, por exemplo, que este exerce seu trabalho "pelo" uso de uma "colher de pedreiro" e não "para" a ferramenta em questão. Ora, é evidente que o motorista não trabalha "para" o aplicativo, assim como o pedreiro não trabalha "para" a sua colher e esta obviedade, extraída da lógica, não tem nenhuma repercussão jurídica.
Os sujeitos envolvidos nesta relação são a entidade que atua como empreendedora, o motorista e o passageiro. A empresa UBER, inequivocamente, está integrada a esta relação na qualidade de entidade empreendedora, pois sua atividade, como ela própria apresenta em seu sítio eletrônico, é a de fornecer a ferramenta que possa interligar o motorista ao cliente: "Nosso principal serviço é desenvolver tecnologias que conectem motoristas parceiros e usuários a qualquer hora." Mas é evidente que faz muito mais do que isto, pois não apenas produz a "colher de pedreiro", como a mantém sob sua propriedade, define os modos da sua utilização, estabelece os parâmetros da relação entre o motorista e o usuário, gerencia a execução da atividade e mantém para si parcela do proveito econômico proveniente do serviço prestado. É nítido, portanto, que a empresa UBER é sujeito ativo desta relação e não, meramente, proprietária da ferramenta. O motorista é outro evidente sujeito desta relação e sua participação se dá com o exercício do trabalho necessário para que o serviço seja prestado. O motorista é um trabalhador, portanto. O outro sujeito é o usuário, que se vale dos serviços prestados, tanto pelo motorista, quanto pela UBER. Para chegar ao motorista, o usuário se vale do aplicativo e, depois, se beneficia do transporte propriamente dito, por meio da condução do motorista, sendo que, para tanto, paga o preço previamente fixado; um preço que engloba, sem delimitação concreta, os dois serviços. O usuário, portanto, integra a relação, fechando o ciclo. Não se trata, pois, de uma relação linear horizontal, como sugere a reclamada em seu sítio, na qual a UBER fornece a ferramenta e aquele que adquire a ferramenta a utiliza para a venda de serviço a uma terceira pessoa. O usuário, concretamente, estabelece um vínculo jurídico inicial com a UBER, na qualidade de consumidor do serviço por ela concretamente oferecido e não meramente "possibilitado". Embora, nos processos judiciais, tente construir outra versão para a realidade, no mundo extra autos, a UBER explicita o serviço de transporte que vende ao consumidor e conclama, "Vá de UBER". O usuário, que atende o chamado e vai de UBER, firma, portanto, uma relação de consumo com a UBER e não com o motorista, que aparece na relação como mero executor do trabalho necessário à realização do serviço. Tanto é assim que se o usuário for acometido de algum dano durante o transporte a reparação certamente será buscada perante a UBER e esta formulação tem sido reiteradamente acolhida pelos Tribunais estaduais.
Fechado o ciclo das relações jurídicas formalizadas, o que se tem como resultado é:
- quem trabalha é o motorista e a sua participação é, unicamente, a entrega do trabalho. Um trabalho que se executa para a UBER, que dele depende para a implementação do seu empreendimento econômico, pouco importando avaliar se o empreendimento é lucrativo ou não, já que assume os riscos da atividade.
- o trabalho prestado não é um trabalho autônomo, pois o motorista não define, por si, as condições em que será prestado junto ao consumidor, não tendo autonomia nem mesmo com relação ao preço cobrado pelo trabalho. O fato de o trabalhador arcar com os custos da execução do transporte, sendo, inclusive, proprietário do veículo (isto quando não o aluga), serve apenas para aumentar o seu nível de dependência econômica frente àquele que o remunera pelo trabalho exercido e que, concretamente, se beneficia economicamente da situação, que é a própria UBER. A transferência para o trabalhador de parte dos custos do empreendimento apenas aumenta o nível de exploração do trabalho.
Não há como negar, portanto, que se está diante de uma nítida relação jurídica na qual o motorista vende sua força de trabalho para o implemento do empreendimento da UBER e que se traduz, juridicamente, como uma autêntica relação de emprego, valendo lembrar que relação de emprego é o instituto jurídico criado exatamente para identificar este tipo de relação social, com o objetivo precípuo de delimitar o campo de aplicação dos direitos trabalhistas e de, ao mesmo tempo, garantir a efetivação destes direitos, tidos como parâmetros mínimos da relação capital-trabalho. A relação de emprego é o instituto fundamental dos compromissos em torno da essencialidade dos direitos humanos e da integração sócio-político-econômica da classe trabalhadora que foram assumidos na pactuação de reconstrução da sociedade capitalista e que dão origem à formação do Estado Social. A relação de emprego é concebida, pois, como um imperativo de ordem pública, na medida em que a integração ao projeto sócio-econômico-produtivo do Estado Social é automática, involuntária e vinculativa. A identificação de uma relação de emprego, por conseguinte, não é um favor que se faz ao trabalhador, nem uma pena que se impõe ao empreendedor. Bem ao contrário, representa revalidar e buscar conferir efetividade ao pacto em questão. Toda vez que se busca argumentos para negar a relação de emprego em efetivas relações de exploração do trabalho pelo capital o que se tem como efeito é um passo dado em direção a todo desajuste social e humano que nos conduziram a duas guerras mundiais e que tem feito aumentar as desigualdades sociais, a fome, a miséria e as diversas formas de opressão, o que, por sua vez, constitui alimento à quebra da solidariedade e da própria razão, fortalecendo as bases de regimes autoritários e ditatoriais.
Impressiona que depois de tantos anos de tentativa de superação da ordem liberal e consolidação do Estado Social ainda se conviva com práticas que retomam a época pré-capitalista, quando o argumento de "parceria" entre os proprietários de terras e os trabalhadores forneciam fundamento para a espoliação da condição humana destes. Não é à toa, portanto, que a relação entre os trabalhadores e as empresas detentoras de aplicativo são apresentados como "servidão moderna", "escravidão digital", ou, na expressão mais reduzida, "uberização". E a argumentação artificialmente criada e midiaticamente difundida ainda busca fazer acreditar que quem explora faz um "favor" para o explorado. Como se divulga com insistência, quem tem algum sonho poderá realizá-lo trabalhando "com" (e não "para") a UBER e o fará sem se submeter a um padrão, ou seja, sendo o seu "próprio chefe". Aqueles que conseguem alcançar esta condição são tidos, então, como seres privilegiados. Como se divulga com insistência, quem tem algum sonho poderá realizá-lo trabalhando "com" o aplicativo da UBER (e não "para" o aplicativo e, menos ainda, "para" a UBER) e o fará sem se submeter a um padrão, ou seja, sendo o seu "próprio chefe". Aqueles que conseguem alcançar esta condição são tidos, então, como seres privilegiados. Ostentariam, assim, como denuncia sarcasticamente Ricardo Antunes, o "privilégio da servidão"!
Assim, nos julgados colacionados, os elementos de convicção impuseram o reconhecimento obrigatório do vínculo trabalhista, principalmente, como já se ressaltou neste trabalho, pelo fato do controle da empresa sobre as modalidades e remuneração por seus serviços, de modo que a onerosidade é o elemento mais visível destas relações, já que os valores, conforme visto, são arbitrados de forma unilateral pela empresa, que também impõe por quais modalidades seus clientes poderão efetuar o pagamento dos serviços.
Dessa forma, conforme delineado acima, as decisões, embora conflitantes, já tem reconhecido o fenômeno da Uberização no campo trabalhista, representando grande avanço e a proteção dos Direitos Trabalhistas.
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A máxima de que as relações trabalhistas são efêmeras nunca ressoou tão bem em meio ao modelo atual de sociedade e mercado que vivenciamos.
O Direito do Trabalho sempre contou com um viés revolucionário, que surgiu em meio à exploração dos trabalhadores, visando garantir-lhes proteção, bem como patamares de dignidade humana nas relações trabalhistas.
Não foi à toa que a Constituição Federal, em 1988, previu uma série de direitos sociais, considerados prestacionais, em que o Estado ficou incumbido de providenciar aos seus cidadãos uma série de direitos, entre eles o relativo ao trabalho.
Além disso, buscou o ordenamento jurídico pátrio, por meio de princípios, criar um norte de aplicabilidade das normas trabalhistas, com respeito aos direitos dos trabalhadores e também proteção para que as relações são usurpassem a dignidade de sua força de trabalho.
Como se sabe, as transformações trazidas pela evolução humana também atingiram o Direito do Trabalho, incluindo-se a grande revolução tecnológica, responsável por modificar o mundo a partir da globalização, que representou o encurtamento de distâncias a partir de uma simples conexão.
Os impactos foram sentidos nas relações de trabalho, que se viram modificadas pela tecnologia, rapidez e também pela necessidade de revisão dos antigos padrões mercadológicos, que passaram a se tornar ditadores e transformadores do capitalismo e também dos modelos de trabalho.
Nesse contexto, o Toyotismo deu vazão a novas perspectivas, entre elas, a Uberização, fenômeno que já existia, mas que tomou uma proporção tão evidente a ponto de modificar relações trabalhistas e a representar a falência de normativas protetivas do trabalhador.
Nesse viés, o empregado passou a se autogerenciar e cuidar de seu próprio espaço de trabalho. Os limites sumiram e as empresas despediram-se dos tradicionais espaços compartilhados e da formalidade dos contratos.
Todo esse processo originou um sem fim de novas plataformas, inclusive, as digitais que se sobrepuseram ao trabalho físico e presencial, como é o caso do contingente de trabalhadores que trabalham em home office.
O homem, nesse cenário, perdeu o controle do seu tempo, pois somente recebe remuneração se exerce algum tipo de ato de trabalho. Isto é, não é recompensado além do que exatamente faz.
Em verdade, o trabalhador passou a ser reconhecido como um número em meio a um contingente humano e seus resultados nada mais servem do que bússola orientadora de produção, ou então algorítimos para melhorar a produtividade e buscar inovações para a empresa unicamente.
A precarização, por sua vez, se instalou como fator preponderante e que, costumeiramente, se apresenta acompanhada pela informalidade. Nesse sentido, também a flexibilização.
Essa discussão trazida pela Uberização atingiu os tribunais brasileiros, que precisaram conhecer e reconhecer as mudanças trazidas. Aliás, transformações estas que atingiram aspectos econômicos, trabalhistas e até sociais.
O campo empresarial tornou-se muito atraente, afinal, o empregador ou tomador de serviços viu-se extirpado da responsabilidade, necessidade de remuneração e pagamento de vários direitos trabalhistas.
inclusive, esse novo cenário da Uberização representou o até o desfazimento da própria relação de trabalho, de modo que se entendeu que a fase do autogerenciamento e da liberdade destituíram qualquer tipo de ligação entre empregados e empregadores.
Apesar desta máxima representar algumas decisões judiciais no sentido do não reconhecimento do vínculo contratual e trabalhista, os Tribunais têm observado que o uso das características de Uberização são constantes para driblar os vínculos empregatícios.
Com efeito, ao se pensar a respeito das características da relação de trabalho, é perfeitamente possível reconhecer as relações estabelecidas, principalmente, quando existe uma empresa responsável por todos os resultados, gestões e movimentações de seus trabalhadores.
Assim, o movimento atual no sentido de reconhecer a Uberização nas relações trabalhistas brasileiras, bem como entender pelo vínculo trabalhista em um cenário em que as empresas fogem de todas as responsabilidades, é muito bem vindo, principalmente por resgatar direitos trabalhistas até então esquecidos ou mitigados.
(TEXTO DE AUTORIA E RESONSABILIDADE DO REDATOR)
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[1] DELGADO, Maurício Coutinho. Curso de Direito do Trabalho. 15.e.d. São Paulo: Editora LTr, 2016 p.64.
[2] Ibidem, p.66.
[3] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 7.ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.42.
[4] DELGADO, Maurício Coutinho, op. cit., p.78.
[5] Ibidem, p.53.
[6] NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 13.ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2018, p.521.
[7] NOVELINO, Marcelo, op. cit., p.513.
[8] Idem.
[9] NOVELINO, Marcelo, op. cit., p.521.
[10] Ibidem, p.522.
[11] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
[12] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do direito do trabalho. São Paulo: LTr,1999, p.24.
[13] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. 3. ed. atual., São Paulo: LTr, 2000, p.53.
[14] HOFFMANN, Fernando. O princípio da proteção do trabalhador e a atualidade brasileira. 2001.194f. Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção de grau em Mestre em Direito das Relações Sociais. Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001, p.52.
[15] FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. As mudanças no mundo: a globalização, os princípios do direito do trabalho e o futuro do trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, v. 66, n. 3, p. 34-48, jul./set. 2000, p.42.
[16] Idem.
[17] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da, op. cit., p. 26-27.
[18] RODRIGUEZ, Américo Plá, op. cit., p.65.
[19] RODRIGUEZ, Américo Plá, op. cit., p.73,
[20] HOFFMANN, Fernando, op. cit., p.65.
[21] RODRIGUEZ, Américo Plá, op. cit., p.74.
[22] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho. 9. ed. atual., São Paulo: Saraiva, 1991, p.164-165.
[23] HOFFMANN, Fernando, op. cit., p.73
[24] RODRIGUEZ, Américo Plá, op. cit., p.66-67.
[25] SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.267.
[26] RODRIGUEZ, Américo Plá, op. cit., p.68.
[27] Ibidem, p.69.
[28] Idem.
[29] GEMIGNANI, Daniel. PRINCÍPIOS DA IRRENUNCIABILIDADE, DA PRIMAZIA DA REALIDADE E DA CONTINUIDADE SOB UMA NOVA PERSPECTIVA. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 4, n. 6, p. 129-157, 3 nov. 2020, p.142
[30] GEMIGNANI, Daniel, op. cit., p.143.
[31] RODRIGUEZ, Américo Plá, op. cit., p.338.
[32] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da, op. cit., p. 109.
[33] RODRIGUEZ, Américo Plá, op. cit., p.244.
[34] GEMIGNANI, Daniel, op. cit., p.148.
[35] NASCIMENTO, Amauri Mascaro, op. cit., p. 84-85.
[36] CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Livraria RT, p.359.
[37] MORAES, Alexandre Rocha Almeida. Direito Penal Racional. Curitiba: Juruá, 2016, p.58.
[38] BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Zahar, 1999, p.67.
[39] NASCIMENTO, Amauri Mascaro, op. cit., p. 73
[40] CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. Apresentação e e ensaio de Raffaele De Giorgi. Max Limonad, 2000, p.118.
[41] BIAVASCHI, Magda Barros; SANTOS, Anselmo Luis dos. A terceirização no contexto da reconfiguração do capitalismo contemporâneo: a dinâmica da construção da súmula nº 331 do TST. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 80, n. 3, p. 19-35, jul /set. 2014, p. 19.
[42] MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A terceirização trabalhista no brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.18.
[43] HERNANDEZ, Juliana do Nascimento. Empresas e Direitos Humanos: uma análise das violações de direitos elementares trabalhistas na indústria da moda. 2018. 218f. Dissertação apresentada para obtenção do título de mestre em Direito do Trabalho. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte.
[44] MORAES, Alexandre Rocha Almeida, op. cit., p.59.
[45] BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo global. Tradução de Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo Veintuino de Espanã Editores, 2002, p.21.
[46] MORAES, Alexandre Rocha Almeida, op. cit., p.116.
[47] CARVALHO, Felipe Ferreira Pires de. A terceirização na indústria têxtil e o trabalho em condições análogas às de escravo: um estudo do caso Zara (Inditex). 2015. 84f. Monografia apresentada para a obtenção de grau de Bacharel em Direito. Universidade de Brasília (UNB). Brasília.
[48] Idem.
[49] DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTr, 2008, p.34.
[50] MORAES, Alexandre Rocha Almeida, op. cit.,p.63.
[51] DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p.34.
[52] SANTOS, Humberto de Faria. Revoluções tecnológicas e sociedade. In: Revista Eletrônica da FIA, v. II, n. 2, jul/dez 2006. Disponível em: http://intranet.fainam.edu.br/acesso_site/fia/academos/revista2/6.pdf. Acesso em mai/2020, p.03.
[53] DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p.37.
[54] Ibidem, p.42.
[55] ALVES, Giovanni. Trabalho e Mundialização do Capital: a nova degradação do trabalho na era da globalização. 2. ed. Londrina: Praxis, 1999.
[56] DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p.44.
[57] NAZAR, Nelson. Direito econômico e o contrato de trabalho: com análise do contrato internacional do
trabalho. São Paulo: Atlas, 2007, p. 17.
[58] Idem.
[59] ROMITA, Arion Sayão. Globalização da economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p.87.
[60] GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da
globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 112
[61] ROMITA, Arion Sayão, op. cit., p.442.
[62] ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho esquematizado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 604.
[63] ROMAR, Carla Teresa Martins. op. cit., p. 604.
[64] SENNETT, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.231.
[65] FERRAZ, Deise Luiza da Silva; FRANCO, David Silva. Uberização do Trabalho e acumulação capitalista. In: Cad. EBAPE.BR, v. 17, Edição Especial, Rio de Janeiro, Nov. 2019.
[66] ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? In: Estudos Avançados Questões do Trabalho, v.98, n.34. Jan-Apr 2020. Acesso em: https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLzMyHbgcGMNNwv/?format=html&lang=pt. Acesso em jul.2022, p.110.
[67] SLEE, Tom. Uberização: a nova onda de trabalho precarizado. São Paulo: Editora Elefante, 2019, p.96.
[68] ABÍLIO, Ludmila Costhek, op. cit, p.112.
[69] Ibidem, p. 114.
[70] ABÍLIO, Ludmila Costhek, op. cit, p.115.
[71] Idem,
[72] Idem.
[73] BERNARDO, J. Democracia totalitária: Teoria e prática da empresa soberana. São Paulo: Cortez, 2004, p.134.
[74] ALVES, Giovanni, op. cit, p.87.
[75] ABÍLIO, Ludmila Costhek, op. cit, p.115.
[76] ALVES, Giovanni, op. cit., p.97.
[77] ABÍLIO, Ludmila Costhek, op. cit, p.118.
[78] Ibidem, p.116.
[79] ANDRÉ, Robson Gomes; PREVOT, Rejane; SILVA, Rosana Oliveira da. “Precário não é, mas eu acho que é escravo”: Análise do Trabalho dos Motoristas da Uber sob o enfoque da precarização. In: RECADM, v. 18, n.1, p.7-34, jan.-mar/2019, p.9.
[80] ANDRÉ, Robson Gomes; PREVOT, Rejane; SILVA, Rosana Oliveira da, op. cit., p.10.
[81]ANTUNES, Ricardo. Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. São Paulo: Editora Boitempo, 2020, p.13
[82] Ibidem, p.16.
[83] PRADO, Eleutério. Pós-grande indústria: trabalho imaterial e fetichismo - uma crítica a A. Negri e M. Hardt. Crítica Marxista, São Paulo, Ed. Revan, v.1, n.17, p.109- 130, 2003, p.113.
[84] PRADO, Eleutério, op. cit., p.113.
[85] ANDRÉ, Robson Gomes; PREVOT, Rejane; SILVA, Rosana Oliveira da, op. cit., p.11.
[86] Ibidem, p.12.
[87] SENNETT, R, op. cit., p.125.
[88] SENNETT, R, op. cit., p.125.
[89] VARGAS, Francisco Beckenkamp. Trabalho, emprego, precariedade: dimensões conceituais em debate. In: CADERNO CRH, Salvador, v.29, n.77, p.313-331, Maio/Ago 2016, p.315.
[90] KALLEBERG, Arne L. O crescimento do trabalho precário: um desafio global. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 24, n. 69, 21-30, fev.2009, p.22.
[91] ANTUNES, Ricardo, op. cit.,24.
[92] KALLEBERG, Arne L, op. cit., p.24.
[93] KALLEBERG, Arne L, op. cit., p.25.
[94] LUNA, F. V.; Klein, H. S. Economia e sociedade escravista: Minas Gerais e São Paulo em 1830. In: Revista Brasileira De Estudos De População, v.2, n.2, 173–193, 2004, p.187.
[95] KALLEBERG, Arne L, op. cit., p.25.
[96] KALLEBERG, Arne L, op. cit., p.26.
[97] ABÍLIO, Ludmila Costhek; AMORIM, Henrique; GROHMANN, Rafael. Uberização e plataformização do trabalho no Brasil. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 23, n. 57, p.26-56, mai-ago 2021, p.42.
[98] CASILLI, Antonio; POSADA, Daniel. The platformization of labor and society. In: GRAHAM, Mark; DUTTON, William (orgs.). Society and the Internet. Oxford: OUP, 2019, p. 293-306, p.298.
[99] ABÍLIO, Ludmila Costhek; AMORIM, Henrique; GROHMANN, Rafael, op. cit., p.42.
[100] Idem.
[101] CHAVES, Andréa Bittencourt Pires. In: Research Society and Development, v. 9, n.6, ISSN 2525-3409, p. 1-15, 2020, p.3.
[102] HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Editora Loyola, 1992, p. 52.
[103] CHAVES, Andréa Bittencourt, op. cit., p.5.
[104] HARVEY, David, op. cit., p.64.
[105] CHAVES, Andréa Bittencourt, op. cit., p.6.
[106] CHAVES, Andréa Bittencourt, op. cit., p.6.
[107] SENNETT, R, op. cit.,, p.9.
[108] Idem.
[109] CHAVES, Andréa Bittencourt, op. cit., p.9.
[110] SLEE, op. cit., p.14
[111] CHAVES, Andréa Bittencourt, op. cit., p.11.
[112] BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes. In: Revista Direitos, Trabalho e Política Social, Cuiabá, v.6, n.10, p.134-156, jan//jun/2020, p.148.
[113] IAMAMOTO, M. V. A questão social no capitalismo. Temporalis.Ano II, nº 3, jan/jun 2001. Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001, p.54
[114] BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes, op. cit., p.149.
[115] IAMAMOTO, M. V, op. cit.,p. 57.
[116] BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes, op. cit., p.150.
[117] Ibidem, p.151.
[118] IAMAMOTO, M. V, op. cit.,p. 65.
[119] ANTUNES, Ricardo, op. cit., p.08.
[120] Idem.
[121] ANTUNES, Ricardo, op. cit., p.08.
[122] Ibidem, p.10.
[123] Idem.
[124] ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas Digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado? In: Contracampo, Niterói, v. 39, n.01, abr.-jul/2020, p. 12-26, 2020, p.15.
[125] Ibidem, p.15.
[126] Idem.
[127] ABÍLIO, Ludmila Costhek., op. cit., p.15.
[128] Ibidem, p.17.
[129] ABÍLIO, Ludmila Costhek, op. cit, p.154.