INCIDE O ITCMD SOBRE A TRANSMISSÃO DA POSSE DE IMÓVEIS?
O ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) é um imposto estadual, de forma que as regras concernentes à incidência do tributo dependerão das legislações específicas de cada estado.
No Espírito Santo, o ITCMD PODERÁ INCIDIR sobre a transmissão da posse de bens imóveis, conforme se detalhará abaixo, aplicando-se a alíquota de 4% sobre o valor do imóvel avaliado pela SEFAZ-ES.
Em terras capixabas, a legislação específica acerca do ITCMD é disciplinada na Lei nº 10.011/2013. A precitada norma, em seu artigo 2º, assevera que o ITCMD “incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos” (grifou-se).
A posse, como um dos possíveis direitos existentes sobre um determinado bem (art. 1.996 e seguintes do Código Civil), será incluída, portanto, dentro da base de cálculo de um eventual fato gerador de ITCMD. Isso se dá pelo fato de que a legislação estadual incorpora a redação relativa ao ITCMD existente na Constituição (art. 155, Inciso I), na medida em que também se utiliza do vocábulo “quaisquer direitos” para explicitar a incidência do precitado imposto.
Ademais, a posse, tendo em vista as normas civis vigentes, transmitir-se-á aos herdeiros de um imóvel imediatamente, nos termos do art. 1.206 do C.C e art. 606, inciso IV, alínea g do CPC. Nessa esteira, é possível citar doutrinadores que balizam a supracitada interpretação:
(…) o vocábulo direito é de extenso alcance, inclusive filosófico. Assim, sua interpretação deve ser limitada, pois, a teor da Constituição Federal, devemos entendê-lo como aqueles direitos passíveis de transmissão, acrescidos de valoração econômica, como o são os bens, o que o restringe consideravelmente. […] Como os direitos são economicamente apreciáveis, entram na categoria de bens. Não se confundem, entretanto, com o próprio objeto, seja uma coisa material, seja uma prestação; é o próprio direito que se objetiva. (FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. São Paulo: RT, 2002, p. 79)
A previsão constitucional é ampla. Não se limita a mencionar transmissão causa mortis ou doação de bens ou direitos; preocupa-se em deixar claro que a competência tributária abrange “quaisquer” deles. Estão abrangidos bens móveis, imóveis, tangíveis, intangíveis, corpóreos, incorpóreos e direitos sobre quaisquer deles, bem como, direitos sobre ações, quotas de sociedades, título de crédito, direitos de subscrição de ações, direitos de imagem, aplicações financeiras, títulos e valores mobiliários e quaisquer outros bens ou direitos que a experiência identifique. Abrange, inclusive, a transferência causa mortis do direito de superfície. (GRECO, Marco Aurélio. Comentários ao artigo 155, I. In: CANOTILHO, J.J. GOMES et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2018)
Vale destacar, ainda, que, no direito tributário é exigida por lei a aplicação dos princípios gerais de direito privado para a definição dos conceitos e formas originadas desses campos do direito (art. 109 do Código Tributário Nacional), aplicável, in casu, à expressão “quaisquer direitos”.
É necessário apontar, também, para a redação do art. 9º, inciso IV da Lei nº 10.011/2013, que indica a posse como hipótese de responsabilização tributária solidária.
Por outro lado, é possível argumentar que, como a posse não é um direito real disposto no rol do art. 1.227 do C.C., sua transmissão não atrairia a incidência do ITCMD. Contudo, imperativo esclarecer que a regra de incidência da lei de ITCMD capixaba não faz distinção entre direitos reais ou não, indicando, como hipótese de incidência, “a transmissão de quaisquer bens ou direitos”.
Tal entendimento é reforçado pelo julgamento do REsp 1.984.847, que permitiu a partilha e inclusão em inventário de direitos possessórios, e do REsp 17390421, que reconheceu a autonomia entre o direito de propriedade e o direito de posse, assim como a expressão econômica do direito possessório.
Este não é o caso, por exemplo, da legislação carioca, que faz referência explícita aos direitos reais conforme definidos no Código Civil, motivo pelo qual o TJRJ tem julgado pela não incidência do ITCMD sobre a transmissão da posse:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. INVENTÁRIO. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINA A NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS - ITCMD - DE IMÓVEL. OBJETO DE POSSE. POSSIBILIDADE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. Na espécie, o imposto de transmissão causa mortis tem como fato gerador a transferência"da propriedade ou domínio útil de bens imóveis por natureza ou acessão física, como definidos na lei civil", conforme restou consignado no art. 1º da Lei Estadual nº 1.427/89. A"POSSE", conquanto se vislumbre como uma situação fática capaz de gerar consequências jurídicas, o nosso ordenamento jurídico brasileiro não a reconhece como direito real, conforme se vê no rol do art. 1.225 do CC/02, o que evidentemente NÃO AUTORIZA A TRIBUTAÇÃO. Precedentes jurisprudenciais de nosso Tribunal de Justiça. Decisão agravada que se mantém. Recurso ao qual se nega provimento". (TJRJ AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 0021501-44.2019.8.19.0000, julgado em: 04/07/2019)
No entanto, em que pese os argumentos acima delineados, a jurisprudência do TJES ainda é vacilante acerca do tema, existindo jurisprudência tanto favoráveis (5006458-80.2022.8.08.0000 TJES; 5008877-73.2022.8.08.0000 TJES; 5010938-04.2022.8.08.0000), quanto desfavoráveis (5009431-08.2022.8.08.0000 TJES) à incidência do ITCMD sobre a transmissão da posse.
Desse modo, a contratação de uma consultoria jurídica capacitada é essencial, portanto, para a estruturação de doações e sucessões referentes à posse de imóveis.