A EVOLUÇÃO DA APOSENTADORIA DO PROFESSOR NO BRASIL: DE BENEFÍCIO ESPECIAL À PSEUDOESPECIALIDADE
No mês de outubro, comemoramos a existência e a importância dos professores na sociedade. Sabemos que o professor é essencial não apenas para o desenvolvimento individual dos alunos, mas também para o progresso da sociedade, sendo fundamental na educação e na transformação social.
No contexto jurídico, o professor é valorizado e protegido por diversas normas, que reconhecem sua importância para a formação dos cidadãos e o desenvolvimento nacional.
Porém, a aposentadoria do professor no Brasil tem sido objeto de constantes alterações legislativas ao longo da história, refletindo as mudanças no sistema previdenciário e as percepções sobre o papel da educação e a valorização do profissional do magistério. Desde as primeiras leis que previam a aposentadoria de professores, no final do século XVIII, até a Reforma da Previdência de 2019, observa-se uma trajetória marcada por avanços e retrocessos, culminando na atual configuração de um benefício pseudoespecial.
- A Aposentadoria Especial e a Distinção por Sexo
O Decreto nº 53.831/1964, que regulamentou a Lei Orgânica da Previdência Social (Lei nº 3.807/1960), reconheceu o magistério como atividade penosa, classificando-a no Anexo I, código 2.1.4, como passível de aposentadoria especial. Essa medida permitia aos professores, independentemente do sexo, aposentar-se com 25 anos de trabalho dedicados ao magistério. No entanto, a Emenda Constitucional nº 18/1981 introduziu a diferenciação no tempo de serviço para aposentadoria entre professores e professoras, estabelecendo 30 anos de trabalho para homens e 25 anos para mulheres. Essa distinção, que se manteve até a promulgação da Constituição de 1988, gerou debates sobre a igualdade de gênero no acesso aos benefícios previdenciários.
- A Constituição de 1988 e a Perda do Caráter Especial
Essa aposentadoria é assegurada no artigo 201, parágrafo 8º da Constituição Federal, onde menciona a aposentadoria com requisitos diferenciados para os professores que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício na educação infantil, no ensino fundamental ou no ensino médio.
A Constituição Federal de 1988, em sua redação original, manteve a aposentadoria especial para professores, com tempo de serviço diferenciado por sexo.
No entanto, a Lei nº 8.213/1991, que regulamentou os Planos de Benefícios da Previdência Social, não incluiu a aposentadoria do professor entre as aposentadorias especiais. Essa omissão, embora sutil, representou um marco na transformação da aposentadoria do professor, que passou a ser tratada como um benefício diferenciado, mas não mais especial. Essa mudança se tornou mais evidente com a introdução do fator previdenciário, em 1999, e foi confirmada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, que reconheceu a constitucionalidade da aplicação do fator previdenciário na aposentadoria dos professores:
TEMA 1.091
“É constitucional o fator previdenciário previsto no art. 29, caput, incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/99”.
- O Fator Previdenciário e a Busca por Alternativas
O fator previdenciário, criado com o objetivo de desestimular a aposentadoria precoce, impactou negativamente a aposentadoria dos professores, especialmente aqueles da rede privada, que passaram a ter seus benefícios reduzidos caso se aposentassem antes dos 60 anos de idade, no caso das mulheres, e 65 anos, no caso dos homens.
Diante dos impactos do fator previdenciário, a Lei nº 13.183/2015 introduziu a regra 95/85, que permite a aposentadoria com proventos integrais para aqueles que atingirem a soma de 95 pontos, para homens, e 85 pontos, para mulheres, considerando a idade e o tempo de contribuição.
A regra 95/85, embora represente uma alternativa ao fator previdenciário, não restaurou o caráter especial da aposentadoria do professor, mantendo a lógica de vincular o benefício à idade e ao tempo de contribuição.
Quanto à reforma da previdência, a Emenda Constitucional nº 103/2019 também trouxe modificações significativas para a aposentadoria do professor, estabelecendo a necessidade de 30 anos de contribuição para homens e 25 anos para mulheres, além de idade mínima.
A idade mínima para a aposentadoria dos professores foi fixada em 60 anos para homens e 57 anos para mulheres, com uma regra de transição até que essas idades sejam alcançadas.
- REGRAS POR DIREITO ADQUIRIDO (ANTES DA REFORMA)
Professores que completaram os requisitos de tempo de contribuição antes de 13/11/2019 podem se aposentar com base nas normas anteriores, assegurando o direito adquirido.
Requisitos |
Homem |
Mulher |
Tempo de Contribuição |
30 anos no exercício do magistério |
25 anos no exercício do magistério |
Carência |
180 meses |
180 meses |
Idade Mínima |
Não há exigência de idade mínima |
Não há exigência de idade mínima |
- REGRAS DE TRANSIÇÃO PARA PROFESSORES (PÓS-REFORMA)
Idade Mínima Progressiva
Nesta regra, além do tempo de contribuição, os professores devem atender a uma idade mínima progressiva, que aumenta ao longo dos anos.
Requisitos |
Homem |
Mulher |
Tempo de Contribuição |
30 anos no exercício do magistério |
25 anos no exercício do magistério |
Idade Mínima |
56 anos (incremento de 6 meses até 65 anos em 2027) |
51 anos (incremento de 6 meses até 57 anos em 2031) |
Carência |
180 meses |
180 meses |
Regra de Pontos
Na regra de pontos, a soma da idade e do tempo de contribuição do professor deve atingir uma pontuação específica, que aumenta anualmente.
Requisitos |
Homem |
Mulher |
Tempo de Contribuição |
30 anos no exercício do magistério |
25 anos no exercício do magistério |
Pontos |
91 (aumenta 1 ponto ao ano até 100 em 2028) |
81 (aumenta 1 ponto ao ano até 92 em 2030) |
Carência |
180 meses |
180 meses |
Pedágio de 100%
Essa regra exige um pedágio sobre o tempo de contribuição faltante na data da reforma, além de idade mínima e tempo de contribuição.
Requisitos |
Homem |
Mulher |
Idade Mínima |
55 anos |
52 anos |
Tempo de Contribuição |
30 anos no exercício do magistério |
25 anos no exercício do magistério |
Pedágio |
100% do tempo faltante até a data da reforma |
100% do tempo faltante até a data da reforma |
Carência |
180 meses |
180 meses |
Pedágio de 50%
Embora não seja específica para professores, essa regra pode ser utilizada por professores que tenham tempo de contribuição em outras funções.
Requisitos |
Homem |
Mulher |
Tempo de Contribuição |
35 anos (não precisa ser no magistério) |
30 anos (não precisa ser no magistério) |
Pedágio |
50% do tempo faltante até a data da reforma |
50% do tempo faltante até a data da reforma |
Carência |
180 meses |
180 meses |
Nova Regra Geral para Aposentadoria dos Professores (Pós-Reforma)
Para os professores que iniciaram suas contribuições após 13/11/2019, a nova regra geral é a única opção disponível. Nela, o tempo de contribuição é reduzido, mas há exigência de idade mínima.
Requisitos |
Homem |
Mulher |
Idade Mínima |
60 anos |
57 anos |
Tempo de Contribuição |
25 anos no exercício do magistério |
25 anos no exercício do magistério |
Carência |
180 meses |
180 meses |
Já nos casos de professores do regime próprio de previdência, ou seja, para os professores vinculados ao serviço público, a Emenda Constitucional nº 103/2019 também aplicou regras específicas, que variam conforme o ente federativo.
Nos regimes próprios, a aposentadoria do professor pode ter regras diferenciadas quanto ao tempo de contribuição e à idade mínima, dependendo de como o respectivo ente federado organizou seu regime.
A análise da trajetória histórica da aposentadoria do professor no Brasil revela uma progressiva perda do caráter especial do benefício, culminando na sua atual configuração como um benefício pseudoespecial.
As alterações legislativas, impulsionadas por mudanças no sistema previdenciário e nas percepções sobre a valorização do magistério, resultaram na introdução de mecanismos como o fator previdenciário e a regra 95/85, que, embora ofereçam alternativas para a aposentadoria, mantêm a lógica de vincular o benefício à idade e ao tempo de contribuição.
A Reforma da Previdência de 2019, ao consolidar a necessidade de cumprir uma idade mínima para a aposentadoria, reforça a tendência de desvalorização da especificidade da profissão docente no sistema previdenciário brasileiro.
- Dos Benefícios Por Incapacidade
Além das aposentadorias programadas, o INSS assegura o professor a concessão dos benefícios por incapacidade temporária ou permanente, quando incapacitado para exercer a atividade laborativa.
A regra para concessão do benefício é a mesma da regra obedecida aos demais segurados, ou seja, o professor precisa ter realizado ao menos 12 recolhimentos ao INSS antes da incapacidade.
A exceção da regra cabe nos casos de acidente de trabalho, doença do trabalho ou quando a doença incapacitante for alguma das elencadas no rol do art. 151 da lei de benefícios (Tuberculose Ativa; Hanseníase; Alienação Mental; Esclerose Múltipla; Hepatopatia Grave; Neoplasia Maligna; Cegueira; Paralisia Irreversível E Incapacitante; Cardiopatia Grave; Doença De Parkinson; Espondiloartrose Anquilosante; Nefropatia Grave; Estado Avançado Da Doença De Paget (Osteíte Deformante); Síndrome Da Deficiência Imunológica Adquirida (Aids); Contaminação Por Radiação.
Vale lembrar que essa lista não é taxativa, podendo ser analisado o caso concreto.
Assim, para o auxílio-doença acidentário nunca será necessário cumprir 12 meses de carência (art. 26, II da Lei nº 8.213/91).
Já em se tratando do auxílio-acidente, é de suma importância lembrar que se trata de benefício previdenciário de caráter indenizatório.
No caso concreto, deve ser analisada a existência de sequela permanente, que reduz sua capacidade para o trabalho, causada pelo acidente de trabalho ou decorrente de doença ocupacional.
É fundamental que os professores compreendam que o auxílio-acidente pode ser concedido mesmo em casos de acidentes que ocorram fora do ambiente escolar, como em casa ou no trânsito. A lei não exige que o acidente esteja diretamente ligado à atividade profissional. Basta que a sequela resultante reduza a capacidade do segurado para a sua função habitual.
Quanto ao valor do benefício, destaca-se que o auxílio-acidente corresponde a 50% do salário de benefício, ou seja, 50% do valor que corresponderia à aposentadoria na data do acidente, garantindo assim um suporte financeiro significativo ao professor durante o período ativo.
A data de início do auxílio-acidente é a data do acidente ou constatação da doença ocupacional e a cessação ocorrerá quando o professor se aposentar. No instante em que a aposentadoria é concedida, o auxílio-acidente é automaticamente cancelado, pois seu objetivo é complementar a renda do trabalhador enquanto ele ainda está em atividade, pois o objetivo do benefício é uma compensação financeira destinada a auxiliar o professor durante o período em que continua a exercer suas funções, antes da aposentadoria.
TEMA 862 STJ
O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei n. 8.213/1991.
TEMA 315 TNU
A data do início do benefício de auxílio-acidente é o dia seguinte à data da cessação do benefício de auxílio por incapacidade temporária, que lhe deu origem, independentemente de pedido de prorrogação deste ou de pedido específico de concessão do benefício de auxílio-acidente, nos termos do art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observada a prescrição quinquenal dos valores atrasados.
Importante ainda apontar que o auxílio-acidente não exige que o professor se afaste do trabalho. Portanto, ele pode continuar lecionando normalmente enquanto recebe o benefício como um subsídio complementar.
Para tanto, é importante citar alguns exemplos de situações que podem gerar o direito ao auxílio-acidente para professores:
Acidentes de trânsito; |
Quedas domésticas; |
Acidentes no ambiente escolar, como uma quedas, cortes, etc.; |
Lesões esportivas fora do ambiente de trabalho; |
Doenças ocupacionais |
Além desses, doenças ocupacionais também podem ensejar o reconhecimento do auxílio-acidente:
Lesões por esforços repetitivos ou distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, que afetam principalmente os membros superiores, pescoço e região escapular (Ler/Dort); |
Distúrbios da voz, como disfonia, rouquidão, afonia, dor e cansaço ao falar, falhas na voz e dificuldade para falar em forte intensidade; |
Distúrbios mentais, como síndrome de burnout, ansiedade, depressão e pânico; problemas respiratórios causados pela poeira de giz; |
Problemas de audição derivados do ambiente de sala de aula muito ruidoso. |
Em todos esses casos, se as sequelas resultarem em uma diminuição da capacidade de trabalho, dará direito ao professor em receber o benefício.
É de suma importância que estes profissionais da educação estejam amparados pela previdência social, tendo em vista a tamanha importância da função social desta profissão.