BPC/LOAS - Uma análise jurídica

Postado em: 16/12/2024 Comissão de Direito Previdenciário da OAB Vila Velha

Este artigo trata de uma temática amplamente debatida, especialmente diante da possibilidade de alterações legislativas nos critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O Projeto de Lei nº 4614/2024, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados (em 16 de dezembro de 2024), propõe mudanças significativas relacionadas ao conceito de grupo familiar, à definição de deficiência e à possibilidade de acumulação de mais de um benefício assistencial por família.

A Comissão de Direito Previdenciário ressalta que este artigo está baseado nas normas vigentes à presente data. Em caso de eventual alteração legislativa, o material será revisado e disponibilizado em nova edição atualizada.

  1. INTRODUÇÃO

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e na Constituição Federal, é um benefício assistencial destinado a garantir o mínimo existencial para a sobrevivência de pessoas idosas, com 65 anos ou mais, ou pessoas com deficiência que estejam em situação de vulnerabilidade social. Embora o benefício seja assegurado pelo Governo Federal, sua execução e manutenção estão a cargo do INSS. O valor pago é fixado em um salário-mínimo vigente sem décimo terceiro.

Por se tratar de um benefício assistencial, o BPC não é vitalício e não gera direito adquirido, sendo mantido apenas enquanto forem cumpridos os critérios estabelecidos por lei. Entre eles, destacam-se: a comprovação de idade mínima ou deficiência (conforme Lei n.º 13.146/2015), a renda familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário-mínimo, a atualização regular do Cadastro Único (CadÚnico) e a impossibilidade de acumulação com outros benefícios previdenciários ou assistenciais, exceto o Programa Bolsa Família.

O benefício é regulamentado por um conjunto de normas que disciplinam sua concessão e manutenção. Entre os principais diplomas legais e infralegais que tratam do tema, destacam-se:

- Constituição Federal de 1988
: Estabelece, em seu artigo 203, inciso V, a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, prevendo a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
- Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS): Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências, regulamentando o BPC e estabelecendo os critérios para sua concessão.
- Lei n.º 13.146/2015: Conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabelece os direitos e garantias das pessoas com deficiência, incluindo disposições relacionadas ao BPC.
- Lei n.º 10.741/2003: Denominada Estatuto do Idoso, dispõe sobre os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, abrangendo aspectos pertinentes ao BPC.
- Lei n.º 14.176/2021: Introduz alterações nos critérios de concessão do BPC, incluindo a regulamentação do auxílio-inclusão para pessoas com deficiência.
- Decreto n.º 6.214/2007: Regulamenta o benefício de prestação continuada, detalhando procedimentos e critérios para sua concessão.
- Portaria Conjunta MDS/INSS n.º 2, de 30 de março de 2015: Dispõe sobre procedimentos conjuntos entre o Ministério do Desenvolvimento Social e o INSS relativos ao BPC.
- Portaria Conjunta n.º 3/2018: Estabelece diretrizes para a operacionalização do BPC, visando à uniformidade de procedimentos.
- Portaria Conjunta MC/MTP/INSS n.º 14, de 7 de outubro de 2021: Atualiza normas referentes ao BPC, incluindo procedimentos de revisão e manutenção do benefício.

A observância dessas normas é essencial para a correta aplicação e gestão do Benefício de Prestação Continuada, assegurando o cumprimento dos direitos dos beneficiários conforme a legislação vigente.

 2. GRUPO FAMILIAR E O REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO

As normas e procedimentos para o requerimento, concessão, manutenção e revisão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) estão delineados na Portaria Conjunta MDS/INSS n.º 3, de 21 de setembro de 2018. Conforme o artigo 4º dessa portaria, a inscrição do requerente e de sua família no Cadastro Único (CadÚnico) constitui requisito a ser observado nas etapas da operacionalização do BPC. Contudo, a ausência de inscrição ou atualização no CadÚnico não impede a formalização do requerimento do benefício.

O CadÚnico é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, registrando informações sobre o núcleo familiar, incluindo características da residência e dos componentes do grupo familiar, para fins de aferição da renda. É essencial atentar para alguns aspectos ao fornecer essas informações:


  • Grupo Familiar: O conceito de grupo familiar está definido no artigo 20, §1º, da Lei nº 8.742/1993, apresentando um rol taxativo dos integrantes considerados para a composição familiar.
  • Inscrição como Microempreendedor Individual (MEI): Caso algum integrante do grupo familiar possua inscrição como MEI, será presumido que esse integrante aufere uma renda mensal no valor de um salário-mínimo, o qual será considerado na análise do cálculo da renda per capita.
  • Inscrição como Segurado Facultativo: De acordo com o artigo 29 da mesma portaria, a contribuição do beneficiário como segurado facultativo da Previdência Social não acarretará a suspensão do pagamento do BPC.
  • Cadastro de CPF: É fundamental verificar se todos os integrantes do grupo familiar possuem o CPF cadastrado no CadÚnico, sendo possível realizar essa verificação no próprio sistema.
  • Atualização Cadastral: Deve-se atentar à data da última atualização do CadÚnico, mantendo as informações atualizadas para evitar inconsistências.
  • Endereço: O endereço declarado no cadastro deve corresponder ao do beneficiário. Em caso de alteração de endereço, esta deve ser informada prontamente.
  • Renda Familiar: É necessário analisar se a renda familiar total apresentada no CadÚnico condiz com a renda alegada pelo requerente, para a correta avaliação da renda per capita.


É fundamental diferenciar renda sazonal de renda habitual no contexto da análise para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A renda sazonal ou eventual refere-se a rendimentos não regulares provenientes de atividades esporádicas e informais, que não são computados na renda bruta familiar desde que, ao dividir o valor anual declarado por doze meses, o montante seja inferior a um quarto do salário-mínimo. Este conceito encontra amparo no artigo 8º, inciso III, “e”, da Portaria Conjunta n.º 3/2018.

Adicionalmente, o §1º do mesmo artigo especifica quais indivíduos, embora residam no mesmo domicílio e estejam registrados no Cadastro Único (CadÚnico), não integram o grupo familiar para o cálculo da renda per capita. No mesmo sentido, a Portaria n.º 1.282, de 22 de março de 2021, estabelece, em seu artigo 1º, que não serão computados para o cálculo da renda per capita familiar os benefícios previdenciários de até um salário-mínimo ou o BPC concedido a idosos acima de 65 anos, ou pessoas com deficiência, consoante o §14 do artigo 20 da Lei n.º 8.742/1993.

Para o requerimento do BPC, não há necessidade de comprovar qualidade de segurado, período de graça ou cumprir carência. A análise do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) do requerente visa apenas verificar se o benefício assistencial é a opção mais adequada, considerando sua natureza precária. O processo administrativo se inicia com o requerimento do benefício, que pode ser realizado pelo portal “Meu INSS”, pelo “INSS Digital” ou por outros canais de atendimento do INSS, ou da Assistência Social. Durante esta fase, as informações registradas no CadÚnico são utilizadas para identificar a composição do grupo familiar e calcular a renda mensal bruta familiar.

É imprescindível que o requerimento seja apresentado com base em uma análise criteriosa da composição do grupo familiar, da renda familiar total e da renda per capita. Além disso, o CadÚnico deve ser mantido atualizado para evitar inconsistências no processo. O requerente deverá fornecer documentos pessoais, além de todos os documentos médicos que comprovem a deficiência e, quando pertinente, a prova negativa de fornecimento de tratamento médico ou medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), caso pretenda deduzir tais despesas.

Quando o pedido for realizado por meio de advogado, é indispensável a apresentação de procuração assinada, cópia da carteira da OAB, termo de responsabilidade firmado pelo profissional e termo de representação da entidade conveniada. O cumprimento rigoroso dessas exigências assegura a correta tramitação do processo administrativo e a possibilidade de concessão do benefício consoante os critérios legais.


3. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA E A PROTEÇÃO SOCIAL

O conceito de deficiência, conforme delineado ainda na publicação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei n.º 8.742/1993, possuía uma perspectiva predominantemente biomédica, exigindo a comprovação de incapacidade tanto para a vida independente quanto para o trabalho. Essa concepção refletia influências históricas da Revolução Industrial, período em que o corpo humano era comparado a um componente da máquina produtiva.

A redefinição desse conceito iniciou-se com a adesão do Brasil à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2006 e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional por meio do Decreto Legislativo n.º 186, de 9 de julho de 2008, e promulgada pelo Decreto n.º 6.949, de 25 de agosto de 2009. A Convenção estabelece que "pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".

A ratificação da Convenção com equivalência constitucional representou um marco significativo na proteção dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil, assegurando garantias específicas adaptadas às suas necessidades. Conforme salientado por Paulo Vannuchi, ex-Ministro-Chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Convenção alterou o paradigma das intervenções, deslocando o foco para as barreiras existentes entre a pessoa e o ambiente como definidoras da deficiência, afastando, portanto, a associação direta entre deficiência e incapacidade para o trabalho ou para uma vida plena.

O Decreto n.º 6.214, de 26 de setembro de 2007, que regulamenta o Benefício de Prestação Continuada (BPC) previsto na LOAS, incorporou essa nova abordagem ao estabelecer, em seu artigo 16, que a concessão do benefício à pessoa com deficiência está sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, baseada nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), conforme estabelecido pela Organização Mundial da Saúde.

Para operacionalizar essa avaliação, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) instituiu, por meio da Portaria Conjunta INSS/MDS nº 2, de 30 de março de 2015, instrumentos específicos que consideram fatores ambientais, funções e estruturas do corpo, além de atividades e participação social. Contudo, tais instrumentos ainda não configuram plenamente o modelo biopsicossocial de avaliação previsto no artigo 2º, §1º, da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015), que determina a realização de avaliação por equipe multiprofissional e interdisciplinar, considerando os impedimentos nas funções e estruturas do corpo, fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, limitações no desempenho de atividades e restrições na participação social.

A implementação integral desse modelo biopsicossocial, influenciado diretamente pela CIF, representa um avanço na compreensão da deficiência, reconhecendo-a como resultado da interação entre condições de saúde individuais e fatores contextuais, sejam eles ambientais ou pessoais. Essa perspectiva amplia o entendimento da deficiência, deslocando-o de uma visão restrita à incapacidade funcional para uma abordagem que considera as barreiras sociais e ambientais que limitam a participação plena e efetiva das pessoas com deficiência na sociedade.

O STJ possui entendimento sobre a desnecessidade do grau de deficiência para fins de BPC/LOAS, “para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão” (Ministra ASSUSETE MAGALHÃES. STJ - REsp: 1962868 SP 2021/0310043-3).

Todo esse avanço do conceito de deficiência e sua análise nos permitiu, antes de proteger essa parcela da população, conhecê-las. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2022, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam que o Brasil possui aproximadamente 18,8 milhões de pessoas com deficiência. O estudo revela que 48,5% dessas pessoas são responsáveis financeiramente por suas famílias, e cerca de 5,158 milhões possuem renda per capita de até meio salário mínimo.

Em síntese, a evolução do conceito de deficiência no Brasil reflete uma transição de um modelo biomédico para uma abordagem biopsicossocial, alinhada aos preceitos internacionais de direitos humanos. Essa mudança paradigmática exige a contínua adaptação das normativas e práticas institucionais para assegurar a plena inclusão e participação das pessoas com deficiência na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

 
4. A VULNERABILIDADE SOCIAL BRASILEIRA E O REQUISITO DE ACESSO AO BPC/LOAS

A priori, devemos ter ciência de que um dos motivos que mais geram o indeferimento do pedido de BPC/LOAS é o fato de o cidadão ter renda acima do permitido pela Lei. Outro ponto que precisamos deixar claro é o fato desse benefício assistencial ter o propósito de garantir o direito ao básico para quem o solicita, não se tratando de uma benevolência estatal.

Antes mesmo de começarmos a destrinchar este critério, uma questão de extrema importância deve ser levantada: a miserabilidade é um critério que não gera direito adquirido, ou seja, não basta ser preenchido uma vez, necessita ser revisto anualmente para a sua validação. Portanto, podemos perceber a fragilidade do referido critério socioeconômico.

A constatação da fragilidade do critério de miserabilidade para o BPC/LOAS tem fundamento na inobservância dos direitos sociais, a proteção estatal e o cenário brasileiro após a pandemia da Covid-19 que evidenciou ainda mais a desigualdade econômica do país devido às consequências trazidas por esse evento trágico ao nível mundial.

A inércia quanto a não proteção estatal fere princípios constitucionais fundamentais, dentre eles: a dignidade da pessoa humana, proteção social, igualdade material, razoabilidade e proporcionalidade.

Não é cabível ao Estado alegar a reserva do possível quando entender o INSS pelo indeferimento da concessão do benefício assistencial, pois, novamente, é necessário, e seu dever, a garantia do mínimo para a manutenção da vida do cidadão.

O objeto para aferição do critério de miserabilidade do cidadão é a sua renda familiar per capita, onde a soma da renda das pessoas que residem (o requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados) no mesmo imóvel não poderá ultrapassar o limite estabelecido por lei. No tocante ao mesmo imóvel, entende-se mesmo teto, e não mesmo terreno. 

Contudo, existem exceções, por exemplo, quanto ao filho e o irmão, a lei é clara em dizer que o estado civil deles deve ser o de solteiro, ou seja, não compõe o mesmo grupo familiar para fins de cálculo de renda se forem casados, divorciados, viúvos, separados de fato ou em união estável. A exclusão também abarca o curador e o tutor de menores tutelados.

A questão da renda per capita no grupo familiar onde, de forma exemplificativa, exista um casal de idosos, com 65 anos ou mais de idade, foi devidamente legislada para que não houvesse dúvidas quanto ao fato de que o benefício de um salário mínimo do idoso que já o recebe, não fará parte do cálculo da respectiva renda familiar. Nesse sentido, o entendimento do TRF - 4ª região. Ainda nesta seara, é oportuno a indicação das Resoluções n° 19/2019, 46/2020, 47/2020, 04/2022, 09/2023  e 38/2023.

O Tema 312 do STF (RE 580963) dispõe sobre a aplicabilidade da isenção descrita no parágrafo anterior para os benefícios previdenciários. Mas, tese firmada foi a de inconstitucionalidade por omissão parcial contida no artigo 34, parágrafo único do Estatuto do Idoso, que considera o idoso, o cidadão a partir de 60 anos.

Os efeitos originados pelo julgamento do RE 580963 era inter partes e não erga omnes, ou seja, era preciso que a parte interessada na utilização desse julgado se manifestasse. A prevalência desse entendimento permaneceu até 2020 com a edição da Lei n° 13.982, que incluiu expressamente a isenção a idoso acima de 65 anos de idade ou pessoa com deficiência que receba BPC ou benefício previdenciário de até 1 salário mínimo. Ainda nessa seara, a AGU e o CNJ, através da Portaria Conjunta n° 4, de 15 de abril de 2024, firmaram um acordo sobre a mesma temática.

A legislação estipula como presunção absoluta de miserabilidade, de forma objetiva, o cidadão que tiver a renda familiar até ¼ do salário mínimo vigente. Entretanto, existe a possibilidade de flexibilização dessa renda, agora de forma subjetiva, para até ½ salário mínimo.

A subjetividade dessa flexibilização torna o segurado vulnerável e não miserável, então é indispensável à demonstração dessa vulnerabilidade por outros meios de prova. Neste momento, algumas indicações de leituras de extrema importância: ADIn n° 1232 e Reclamação n° 4.374.

O Estatuto do Idoso inclui na Lei n° 8.742/1993 que os elementos probatórios exigidos para a comprovação da miserabilidade/vulnerabilidade seriam realizados de acordo com um Regulamento administrativo até hoje inexistente. O parâmetro norteador do INSS a esse respeito é a ACP n° 5044874-22.2013.404.7100/RS.

A inexistência de um Regulamento provoca conflitos entre decisões administrativas e judiciais sobre o mesmo objeto, pois o Tema n° 185 do STJ entende que o critério objetivo de renda até ¼ do salário mínimo tem presunção absoluta de miserabilidade, por outro lado, o Tema n° 122 da TNU tem o entendimento de que essa presunção é relativa e necessita de outros meios de prova.

Por fim, uma ressalva de suma importância para o BPC/LOAS requerido por pessoas analfabetas, com Pessoa com Deficiência – PcD, visual e/ou física, ou em situação de rua. Para os analfabetos e os PcD, a escritura pública deve obedecer ao que descreve a Portaria n° 1341/2021 do INSS.

E, para as pessoas que se encontram em situação de rua, seu endereço no CadÚnico deverá ser o da unidade do CRAS da região em que vive ou da instituição/pessoa física que estiver o ajudando. A existência de parentes, neste último caso, não altera o endereçamento, pois não serão incluídos no CadÚnico por não compartilharem da mesma miserabilidade e/ou vulnerabilidade socioeconômica.


5. JURISPRUDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS

Atualmente, o Conselho de Recursos possui jurisprudência que adota uma interpretação humanizada em relação ao benefício assistencial em questão, destacando-se algumas decisões que refletem essa abordagem.

  • Enunciado 16 do CRPS:

A suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário ou assistencial não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em procedimento administrativo, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa e as disposições do art. 69 da Lei nº 8.212/91.

  • Enunciado 17 do CRPS:

São repetíveis os pagamentos indevidos de benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), exceto quando comprovada a boa-fé objetiva pelo interessado, sobretudo quando há demonstração de que não lhe era possível constatar o erro no pagamento. I - Os pagamentos indevidos feitos em benefícios previdenciários embasados em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração são irrepetíveis, independentemente da comprovação de má-fé. II – São repetíveis os pagamentos indevidos decorrentes do BPC/LOAS somente quando estiver comprovada a má-fé do beneficiário, nos termos do art. 49 do Decreto nº 6.214/07.

  • No Conselho Pleno do CRPS

Quadro 1 - composição da renda familiar:

RESOLUÇÃO Nº EMENTA DECISÓRIA COMENTÁRIOS
69/2020 BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA AO CONSELHO PLENO. ART. 63 DO REGIMENTO INTERNO DO CRPS (PORTARIA MDSA NO 116/2017). BENEFÍCIO CONCEDIDO A IDOSO COM MENOS DE 65 ANOS DESCONSIDERADO NO CÁLCULO DA RENDA MENSAL PER CAPITA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA 2009.38.00.005945-2. EXCLUSÃO APENAS DE BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS E PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS A IDOSOS MAIORES DE 65 ANOS. ART. 34 DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI 10.731/2003). ART. 20 DA LOAS (LEI 8.742/93). PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. - RELATOR CONSELHEIRO MOISES OLIVEIRA MOREIRA. - DATA DA SESSÃO 28/09/2020 Recurso Especial proposto pelo INSS, tendo por debate a definição de quais benefícios previdenciários recebidos por idoso estariam excluídos do cálculo da renda per capita familiar, tendo em vista a decisão proferida na ACP 2009.38.00.005945-2 (“não há que se falar em restrição aos beneficiários com mais de 65 anos de idade, mas sim, que recebam benefício no valor de um salário-mínimo ao idoso, o que ocorre no caso em tela.”). Conforme uniformizado, o benefício previdenciário ou assistencial recebido por pessoa idosa a ser excluído do cálculo da renda familiar per capita refere-se àqueles concedidos a idosos com 65 anos ou mais de idade. Inclusive, com vistas ao §14 do art. 20 da LOAS, todos os abrangidos por esse normativo devem ser excluídos do cálculo da renda per capita tanto dos benefícios assistenciais, quanto previdenciários no valor de um salário-mínimo concedido a idosos acima de 65 anos.
77/2020 BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL A PESSOA IDOSA. RECURSO ESPECIAL DO INSS. RENDA PER CAPITA MAIOR QUE ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. PERCEPÇÃO DE RENDA PROVENIENTE DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PERCEBIDA PELO CÔNJUGE CONSIDERADA. AFRONTA AO PARECER/ CONJUR 616/2010. AFASTADO O RECONHECIMENTO DE DIREITO AO BENEFÍCIO COM RENDA FAMILIAR PER CAPITA SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MINIMO. AUSENCIA DE PARECER SOCIAL OU OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO GRUPO FAMILIAR E DA SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE NA DER. APLICAÇÃO DO §3 DO ART. 20 DA LEI Nº 8742/93. RESOLUÇÃO Nº 11/2020 DO CONSELHO PLENO DO CRPS. APLICAÇÃO DO ART. 64 DA PORTARIA/MDS Nº 116/2017. PEDIDO DE RECLAMAÇÃO AO CONSELHO PLENO CONHECIDO E PROVIDO. - RELATORA CONSELHEIRA SULAMITA CRISTINA DIAS - DATA DA SESSÃO 26/11/2020 Reafirmada a prevalência da Questão 11 do PARECER /CONJUR 616, diante da ausência de parecer Social, para considerar o cômputo do benefício previdenciário (aposentadoria por invalidez) concedido ao cônjuge da beneficiária, na composição da renda per capita do grupo familiar. Efeito suspensivo obsta a exequibilidade da ação civil de improbidade administrativa n 004265-82.2016.403.6105.
47/2021 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AMPARO SOCIAL À PESSOA IDOSA. RECLAMAÇÃO AO CONSELHO PLENO. RENDA PER CAPITA DO GRUPO FAMILIAR SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO-MÍNIMO. ART. 20 DA LEI Nº 8.742/99. DEMONSTRADA A INFRINGÈNCIA AO PARECER CONJUR MPS Nº 616/2010, CONTUDO, POR FORÇA DO CONTIDO NA ACP N° 0004265- 82.2016.4.03.6105/SP, COM ABRANGÈNCIA NACIONAL. DIANTE DA INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PRETÓRIO EXCELSO DO ART. 16 DA LEI Nº 7.347/85, OS RENDIMENTOS DE OUTRO MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR ORIUNDOS DE BENEFÍCIO DO LOAS, NÃO INTEGRA A RENDA PER CAPITA DO GRUPO FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE DE PROCESSAR O INCIDENTE PROCESSUAL PREVISTO NO ART. 64 DO REGIMENTO INTERNO DESTE CONSELHO DE RECURSOS, APROVADO PELA PORTARA MDSA N° 116/2017. PEDIDO DE RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE – RELATOR CONSELHEIRO VALTER SERGIO PINHEIRO COELHO. – DATA DA SESSÃO 30/09/2021 EFEITOS DE DECISÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA NÃO DEVEM TER LIMITES TERRITORIAIS.


Quadro 2 - Recebimento indevido de benefício: 
RESOLUÇÃO Nº EMENTA DECISÓRIA COMENTÁRIOS
20/2020 AMPARO SOCIAL AO IDOSO. RECLAMAÇÃO AO CONSELHO PLENO. Competência para análise deste Conselho Pleno na forma do art. 30 inc. III do Regimento Interno do CRPS aprovado pela Portaria MDAS no 116/2017. Pressupostos de Admissibilidade do pedido não alcançados na forma do art. 64 do mesmo Regimento. Infringência de órgão Julgador ao Parecer CONJUR/MPS no 116/2010 não demonstrada. RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE DE ACORDO COM O VOTO DIVERGENTE. - DATA DA SESSÃO 29/05/2020 A QUESTÃO Nº 15 DO PARECER CONJUR/MOS Nº 616/2010 não se aplica ao benefício assistencial, decorrente do regramento da LOAS, mas apenas aos previdenciários equivocadamente concedidos ou majorados administrativamente. A LOAS tem lei própria e os mecanismos de apuração de suas irregularidades constam do Decreto 6.214/07. Além disto, o Decreto 9.462/18 afasta a devolução no caso de boa-fé.


6. JURISPRUDÊNCIAS

Embora o Poder Judiciário, em algumas ocasiões, interprete de maneira controversa o benefício assistencial, existem jurisprudências consolidadas sobre o tema que podem ser utilizadas como precedentes relevantes. Isso pode ser observado nos repetitivos de controvérsia elencados abaixo:

  • Turma Nacional de Uniformização

TEMA 34 - Para a concessão do benefício previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, nos casos de incapacidade parcial e temporária, deve-se examinar as condições pessoais do requerente.

TEMA 70 - Na concessão do benefício de prestação continuada ao portador do vírus HIV assintomático, devem ser observadas, além da incapacidade de prover a própria subsistência, as condições socioculturais estigmatizantes da doença.

TEMA 73 - O grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 16 da Lei n. 8.213/91 e no art. 20 da Lei n. 8.742/93, esta última na sua redação original.

TEMA 173 - Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.

TEMA 299 - A análise da deficiência em caso de menor 16 (dezesseis) anos de idade, não se restringe à limitação física, intelectual, sensorial ou mental sob o aspecto da capacidade laboral, devendo o exame abranger análise social do núcleo familiar.

 

  • Superior Tribunal de Justiça

TEMA 185 - A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

TEMA 640 - Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

 

  • Supremo Tribunal Federal

TEMA 27 - É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição.

 
7. CONCLUSÃO

 O Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) desempenha um papel essencial na garantia do mínimo existencial para pessoas idosas e com deficiência em situação de vulnerabilidade social, sendo um importante instrumento de proteção social assegurado pela Constituição Federal e regulamentado por um arcabouço legislativo e jurisprudencial robusto. A análise detalhada das normas e interpretações judiciais sobre o benefício revela avanços significativos na compreensão de temas como a flexibilização do critério de renda, o conceito biopsicossocial de deficiência e a incorporação de princípios constitucionais como dignidade, igualdade material e proteção social.

No entanto, persistem desafios que evidenciam fragilidades no critério de miserabilidade e na operacionalização do benefício, especialmente diante da ausência de regulamentação específica para a comprovação de vulnerabilidade socioeconômica. A controvérsia entre entendimentos administrativos e judiciais, somada às complexidades dos casos práticos, demonstra a necessidade de avanços normativos e maior dedicação dos operadores do direito, principalmente da advocacia.

Em síntese, o BPC/LOAS é um reflexo da responsabilidade estatal em assegurar os direitos sociais e combater as desigualdades estruturais que persistem na sociedade brasileira. Para tanto, é imprescindível que o Estado, por meio de suas instituições, continue aprimorando os mecanismos de acesso ao benefício e garantindo sua aplicação efetiva, sempre em consonância com os valores constitucionais que norteiam a proteção social no Brasil.

 

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Autores:

Paulo Vinicius Branco Oliveira;

Bárbara Pires Roberty Drumond;

Danieli Manzini Martins

Michele Barbosa de Oliveira Rodrigues

Mariana de Araújo Fontes Barreto.
Letícia Barboza Monteiro

 

Coordenação e Supervisão:

Catarine Mulinari

 

Referências bibliográficas:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 194 e 203, V. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 05 nov. 2024.

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