Seguro DPVAT e sua função social

Postado em: 19/04/2022 EDUARDO INDUZZI CAMPANA

O seguro DPVAT foi criado pela Lei nº 6.194/74, com o fito de amparar aquelas pessoas que sofreram algum dano pessoal decorrente de um acidente de trânsito. O Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) evoluiu de forma a atender às requisições da população brasileira, considerando seu grau de desenvolvimento econômico e social.

 

O Seguro DPVAT oferece cobertura para três naturezas de danos: morte, invalidez permanente e reembolso de despesas de assistência médica e suplementares, independentemente de culpa ou da identificação do causador do acidente, havendo, contudo, comprovação do nexo de causalidade entre acidente e dano.

 

O seguro DPVAT, segundo a SUSEP, é o Seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não (Seguro DPVAT), criado pela Lei nº 6.194/74, alterada pela Lei 8.441/92, 11.482/07 e 11.945/09, com a finalidade de amparar as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional, não importando de quem seja a culpa dos acidentes. Ou seja, tal conceito exclui meios de transportes que não são passíveis de indenização pelo seguro DPVAT, como trens, bicicletas, barcos e aeronaves.

 

A modalidade do seguro é obrigatória, e surgiu, historicamente, no Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, no início do século XX, a partir da necessidade da intervenção do Estado nas relações privadas com o objetivo de preservar o equilíbrio social, devido à complexidade das relações geradas pelo progresso humano. O seguro sempre esteve ligado à ideia de proteção, sendo do patrimônio ou da própria pessoa humana. Por esta razão, o Estado passou a ditar normas de natureza cogente, bem como passou a integrar o mundo jurídico através da confecção de um contrato, motivo pelo qual surgiram vários seguros obrigatórios, como os marítimos, habitacionais, transportes em aeronaves, dentre outros. O código Civil em seu art. 757 e parágrafo único, dá uma noção sobre o contrato de seguro. Veja-se:

 

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

No Brasil, o seguro obrigatório foi instituído pelo Decreto-lei n.º 1.186/39, porém, foi através do Decreto-lei n.º 73, de 21/11/1966, que o seguro obrigatório adquiriu força, ensejando a regularização do Sistema Nacional de Seguros Privados, pelo governo federal. O presente órgão apresentou vários seguros de contratação impositiva, dentre eles, o seguro obrigatório para proprietários de veículo automotor. A preocupação do Estado era de proteger as vítimas de acidente de trânsito, o que já era comum em todo mundo àquela época.

 

Com a edição do Decreto-lei n.º 73/66, nasceu o RECOVAT – Seguro de Responsabilidade Civil dos proprietários de Veículos Automotores de Via Terrestre, antecessor ao seguro DPVAT. O RECOVAT foi extinto, pois sua denominação entendia que os seguros de responsabilidade civil necessariamente deveriam comprovar a culpa ocorrida no acidente automobilístico, o que causou confusão entre os aplicadores da lei.

 

Assim, na década de 1970, foi criado o seguro DPVAT, através da edição da Lei 6.194/74, devido ao crescimento da indústria automobilística no país, bem como a compreensão de que os riscos daquela atividade não atingiam tão somente ao condutor do veículo, como também os passageiros e pedestres envolvidos nos possíveis acidentes de trânsito. Desta forma, o seguro DPVAT foi criado com a intenção de garantir uma indenização às vítimas de acidentes de trânsito pelos danos gerados.

 

Neste mesmo entendimento, Ivan de Oliveira Silva dispõe acerca do risco da atividade automobilística, bem como a função social do seguro DPVAT que minimiza os efeitos dos danos pessoais causados em acidentes de trânsito. Veja-se:

 

Assim, fica nítido o sentido de solidariedade imposto pelo seguro DPVAT, razão pela qual sua função social se manifesta na medida em que os danos pessoais são amenizados por todas as pessoas responsáveis por veículos automotores.

 

Desta forma, o Seguro DPVAT foi criado através de uma necessidade social, por conta da quantidade de acidentes de trânsito que ocorrem diariamente, devido ao crescimento da indústria automobilística brasileira.

 

O Seguro DPVAT é espécie do qual o Direito do Seguro é gênero, este, dotado de autonomia científica, legislativa e doutrinária. A primeira tem-se como um conjunto de princípios próprios presentes nas operações securitárias; a segunda é o conjunto de normas aplicáveis às operações securitárias; e, a terceira é a compreensão do Direito do Seguro e suas particularidades. Deste modo, existem alguns princípios norteadores do ramo, os quais expressam-se a seguir devem ser respeitados.

 

O princípio da previdência sustenta a substância desse segmento do Direito. Desde o início da atividade securitária a noção de previdência orienta seus negócios jurídicos. Este princípio manifesta-se pela pretensão do homem em se auto preservar, bem como preservar pessoas e coisas de seu interesse. Assim, as pessoas físicas, jurídicas, nacionais ou estrangeiras, podem prevenir-se de certos riscos.

O princípio do mutualismo, em suma, é a união da pessoa física ou jurídica, com fito de concentrar esforços destinados a garantir a recomposição, ou a minoração, dos danos suportados pelos futuros supostos vitimados. No mesmo sentido do princípio do mutualismo, o princípio da pulverização dos riscos também reúne as pessoas para diluição dos riscos, devido a contribuição financeira, tornando suportável o impacto de eventual evento danoso.

Acerca do princípio da garantia, os seguradores, por força de contrato, assumem o risco de danos possíveis e determinados, garantindo a recomposição dos prejuízos suportados pela vítima do evento danoso. O princípio da função socioeconômica é claro, pois tem o objetivo de regular as atividades securitárias que envolvem o interesse humano sobre pessoas ou coisas.

Por fim, o princípio da licitude do interesse segurado, que não deve ser utilizado como instrumento destinado à proteção de interesses ilícitos, bem como o princípio da boa-fé nos contratos de seguros, uma vez que a quebra desse princípio, acarretará consequências aos litigantes de má-fé.

Assim, nota-se que a utilidade do Seguro DPVAT deve ser regida pelos princípios norteadores, bem como devem ser respeitados para que haja uma utilização lícita e correta do seguro.

 

Quanto à natureza jurídica do Seguro DPVAT, este é considerado um seguro relacionado aos danos pessoais, com características próprias, diferente de outras modalidades de seguro, não havendo proteção para prejuízos de outra ordem, como prejuízos materiais decorrentes de um acidente automobilístico, sob risco de desamparo do instituto.

 

Nesse sentido, o seguro DPVAT cobre apenas os danos pessoais decorrentes de acidente envolvendo veículos automotores terrestres, e não marítimo, aéreos, férreos e outros.

 

Além disso, a indenização do Seguro DPVAT é devida à vítima de acidente de trânsito independente da apuração de sua culpa para a ocorrência do acidente, conforme dispõe o art. 5º da Lei n.º 6.194/74:

 

Art. 5 – O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência da culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado.

Ao adotar a responsabilidade civil objetiva, aquela que impõe a obrigação de indenizar, independente de culpa, o legislador afastou a possibilidade de uma indenização fundada em culpa presumida, haja vista que a expressão “independentemente da existência da culpa” não se impõe a sua presunção. O legislador exige apenas a comprovação da ocorrência do acidente, geralmente através do boletim de ocorrência constando a narrativa dos fatos, e do dano dele recorrente para que a indenização seja devida.

Sendo assim, comprovado o nexo causal, bem como danos sofridos, através de documentos necessários e de suma importância, o seguro é devido, independentemente da existência da culpa.

Outrossim, não é necessário que o segurado esteja adimplente com o pagamento do prêmio do seguro DPVAT, ou seja, ainda que o prêmio do seguro esteja vencido, será devido, conforme dispõe o artigo  da Lei 6.194/74:

Art. 7 – A indenização por pessoa vitimada por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos dos demais casos por um consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as sociedades seguradoras que operem no seguro objeto desta lei.

Isto ocorre devido a função social do seguro DPVAT, motivo pelo qual o legislador permitiu que a pessoa vitimada por veículo seja indenizada pelo seguro DPVAT ainda que inadimplente quanto ao pagamento do prêmio do referido seguro. Desta maneira, a exigência da comprovação do pagamento do prêmio do seguro, se mostra abusiva por determinadas seguradoras, haja vista que a legislação é clara ao dizer que a indenização é devida ainda que inadimplente.

 

Vale ressastar, que o ano de 2022, pelo segundo ano consecutivo, o motorista não está obrigado a pagar o prêmio DPVAT, devido a excedente de recursos. A medida foi aprovada pelo CNSP.

 

A Lei 6.194/74 dispõe em seu artigo , nos incisos I, II e III, sobre as coberturas do seguro DPVAT, quais sejam, a cobertura de morte, invalidez permanente e reembolso de despesas de assistência médica e suplementares, consoante redação da Lei n.º 11.945, de 2009, bem como determina o limite máximo de indenização de cada cobertura.

 

Portanto, o primeiro dano pessoal previsto na Lei n.º 6.194/74 é a morte, que cobre todas as vítimas que falecem devido à ocorrência de um acidente de trânsito, incluindo o motorista, o passageiro e o pedestre, no valor indenizatório de R$ 13.500,00. Este valor foi fixado após a edição da Medida Provisória n.º 340/06, convertida na Lei n.º 11.482/2007, tendo em vista que o valor indenizatório máximo anterior para a cobertura de morte era o valor de 40 salários-mínimos vigentes à época do acidente de trânsito.

 

Desta forma, o valor da cobertura de morte do seguro DPVAT é pago no valor fixo de R$ 13.500,00 distribuídos aos herdeiros legais da vítima. Ivan de Oliveira Silva faz críticas quando ao valor fixado atualmente. Em sua concepção, a indenização do seguro DPVAT seria de maior valia se sua indenização tivesse por base determinada quantidade de salários mínimos.

 

O montante das indenizações decorrentes dos sinistros cobertos pelo seguro DPVAT em valores fixos, trouxe um prejuízo social significativo, suportado, principalmente, pelas vítimas de acidentes de trânsito previstos na Lei n. 6.194/74. A questão é simples: basta considerarmos que os valores das indenizações estão congelados desde os idos de dezembro de 2006. Acreditamos que isso é um desprestígio à função social do DPVAT que, em suma, surge para aliviar os prejuízos patrimoniais suportados pelas vítimas de acidentes provocados por veículos automotores. Melhor opção era a redação original da Lei n. 6.194/74 que, como vimos, previa a indenização com base em salários mínimos.

 

Contudo, existe divergência na doutrina quanto à utilização do salário mínimo como parâmetro para a indenização do seguro DPVAT. Para Faoro e Fucci, o valor da indenização fixado em reais atende ao disposto no art. IV, da Constituição Federal, o qual veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. A vigência e eficácia de política semelhante ficariam ameaçadas se fosse permitida a indexação automática do salário mínimo em preços gerais.

 

No tocante aos beneficiários na hipótese de morte da vítima do sinistro, o caput do artigo  da Lei nº 6.194/74 reza que “A indenização no caso de morte será paga de acordo com o disposto no artigo 792 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil” (BRASIL, 2019ª). O artigo 792 do Código Civil estabelece que:

 

792CC: Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária.

 

Parágrafo único. Na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.

De acordo com o teor do artigo 792, haverá um regramento para a determinação dos beneficiários da indenização do seguro DPVAT. Nesse mesmo sentido, o artigo 1.829 do Código Civil, determina a ordem da vocação hereditária:

 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694) I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.

 

Quanto à cobertura de invalidez permanente, esta configura-se quando não é mais possível amenizar as lesões decorrentes do acidente de trânsito através de medidas terapêuticas, conforme dispõe o parágrafo 1º do artigo  da Lei nº 6.194, de 1974:

 

§ 1º No caso da cobertura de que trata o inciso II do caput deste artigo, deverão ser enquadradas na tabela anexa a esta Lei as lesões diretamente decorrentes de acidente e que não sejam suscetíveis de amenização proporcionada por qualquer medida terapêutica, classificando-se a invalidez permanente como total ou parcial, subdividindo-se a invalidez permanente parcial em completa e incompleta, conforme a extensão das perdas anatômicas ou funcionais, observado o disposto abaixo: (Incluído pela Lei nº 11.945, de 2009).

 

Desta forma, segundo o entendimento supracitado, as vítimas de acidentes de trânsito que ainda estão em tratamento terapêutico não possuem direito à indenização pela cobertura de invalidez permanente do seguro DPVAT, haja vista a possibilidade da reabilitação, bem como classifica a invalidez permanente como total ou parcial, subdividindo-se a invalidez permanente parcial em completa e incompleta.

 

Não obstante, dispõe o inciso II do art.  da Lei n.º 6.194/74 que a indenização da cobertura de invalidez permanente se dará em até R$ 13.500,00, haja vista que se aplica a esta cobertura o princípio da proporcionalidade, ou seja, a indenização será paga de forma proporcional ao grau da invalidez permanente apurada, razão pela qual as limitações mais graves serão indenizadas em valores mais elevados e as limitações menos gravosas deverão ser indenizadas em valores mais reduzidos.

 

Quando se tratar de invalidez permanente parcial completa, dispõe o inciso I do parágrafo 1º do artigo  da Lei nº 6.194, de 1974, que “ a perda anatômica ou funcional será diretamente enquadrada em um dos segmentos orgânicos ou corporais previstos na tabela anexa, correspondendo a indenização ao valor resultante da aplicação do percentual ali estabelecido ao valor máximo da cobertura”.

 

Tratando-se de invalidez permanente parcial incompleta, visando a aplicação do princípio da proporcionalidade, a Lei n.º 11.945/09 incluiu nova redação ao inciso II do § 1º do artigo  da Lei n.º 6.194/74, no qual foram fixados os graus de invalidez permanente a serem apurados para fins de indenização da cobertura por invalidez permanente:

 

Quando se tratar de invalidez permanente parcial incompleta, será efetuado o enquadramento da perda anatômica ou funcional na forma prevista no inciso I deste parágrafo, procedendo-se, em seguida, à redução proporcional da indenização que corresponderá a 75% (setenta e cinco por cento) para as perdas de repercussão intensa, 50% (cinquenta por cento) para as de média repercussão, 25% (vinte e cinco por cento) para as de leve repercussão, adotando-se ainda o percentual de 10% (dez por cento), nos casos de sequelas residuais.

Para a apuração do grau de invalidez permanente supracitado, o Instituto Médico Legal é o órgão competente para a realização de tal procedimento, conforme previsto no art. 5º da Lei n.º 6.194/74, quando deverá realizar avaliação médica na vítima do acidente de trânsito e emitirá um laudo quantificando o grau da eventual limitação permanente ou informando a inexistência de qualquer invalidez. Sendo assim, este documento definirá sobre a existência de invalidez, permanente ou não, seu grau, podendo ser parcial ou total, e sua intensidade, bem como definirá o valor a ser pago ao beneficiário.

 

A terceira e última cobertura constante no seguro DPVAT é o reembolso de despesas de assistência médica e suplementares (DAMS) geradas por acidentes de trânsito, no qual abrange terapia realizada por qualquer especialidade médica, odontológica, fisioterápica, bem como outras relacionadas com a área de saúde. A cobertura possui o limite máximo de indenização de até R$ 2.700,00, conforme nova redação dada pela lei 11.945/09, de acordo com as despesas comprovadas. Nesse sentido, Rafael Tárrega Martins ainda afirma que as despesas médicas devem ser realizadas sempre em caráter privado, sob pena de não serem reembolsadas:

 

Assim, atendimento executado em entidade conveniada ao SUS apenas será sufragado pelo DPVAT se for resultado de uma atenção particular, privada. Em sentido oposto, se o hospital ou clínica credenciada ao SUS prestar seus serviços como tal, ou seja, com caráter público, deverá cobrar seus gastos do gestor público da saúde.

 

Em conclusão, o Seguro DPVAT possui três tipos de indenização, sendo elas por invalidez e morte, decorrente de acidente de trânsito, bem como reembolso das despesas médicas gastas pelo segurado.

Sobre o(a) Autor(a)

Advogado, graduado pela Universidade Vila Velha, Pós-graduado em Direito Penal e processual Penal, Pós graduando em Direito Extrajudicial, Especialista em Direito de Trânsito, vice-presidente da OAB Jovem VV.

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