APLICAÇÃO DE HONNETH NAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS: Análise da importância da teoria do reconhecimento como base na fundamentação das decisões judiciais.
1.INTRODUÇÃO
Honneth é um filósofo e sociólogo que se dedicou a reconstruir os objetivos da teoria marxista a partir da teoria do agir comunicativo1 apresentada por Habermas em 1981, em que consistia na alteração do parâmetro das lutas de classes com base nas relações de trabalho, para o parâmetro comunicativo habermasiano pautado no entendimento e reconhecimento entre os sujeitos através da comunicação. Utilizando como suporte as obras do jovem Hegel, que em seu tempo já estudava o reconhecimento, Honneth passou a desenvolver seus próprios estudos sobre o reconhecimento no qual entendeu como fundamento a necessidade de haver o reconhecimento recíproco numa relação entre dois sujeitos, sob pena de não formação de um sujeito social.
Honneth visando criticar a concepção dualista da sociedade defendida por Habermas, elaborou a obra “Crítica do Poder” por qual passou a demonstrar a necessidade de se interpretar a teoria crítica da sociedade com base unicamente no reconhecimento dos indivíduos2. A partir destas críticas, ele passa a formular sua teoria baseado nas dinâmicas sociais efetivas levando em consideração as relações de reconhecimento caracterizadoras da formação de identidade do sujeito em si e perante a coletividade conforme abordado pelo jovem Hegel partir das dinâmicas sociais efetivas.
Em busca da compreensão da dinâmica social, Honneth desenvolve a principal obra estudada neste artigo, isto é, “Luta por reconhecimento: gramática moral dos conflitos sociais” em 1992, no qual formula-se grande parte do desenvolvimento de sua teoria do reconhecimento, visto que é nesta obra que autor imerge diante das lutas sociais e identifica três dimensões distintas de reconhecimento intersubjetivo na sociedade e seus respectivos desrespeitos a fim de evidenciar os potenciais emancipatórios derivados dos conflitos sociais.
Suas três dimensões são apresentadas como: a primeira trabalha nas relações primárias fundamentadas no “amor” e na “amizade”, por meio do qual o indivíduo busca sua autoconfiança, necessária à sua realização pessoal e, por consequência o autorreconhecimento; a segunda trata das relações jurídicas baseadas em “direitos”, em que os indivíduos são reconhecidos como autônomos e moralmente imputáveis; a última versa sobre a “solidariedade social”, onde as deliberações individuais de realização se tornam objeto de respeito dentro de uma comunidade.
Com base no exposto, adiante será tentada uma correlação do direito através das reflexões honnethianas pautadas pelos ideais do jovem Hegel sobre a luta por reconhecimento, baseando-se na segunda dimensão do reconhecimento para com os atos jurídicos, em especial as sentenças judiciais, com o objetivo de demonstrar ser um fator de potencial indução à autorrealização quando fundamentado no corpo de uma decisão judicial.
Objetiva-se a partir deste ponto, demonstrar uma abordagem da luta por reconhecimento atuante nas instituições jurídicas, para compreender o papel do reconhecimento de direitos em uma sociedade moderna, complexa e democrática, bem como as aberturas e obstáculos em sua potencialidade transformadora do bem- estar social.
Para realizar o objetivo proposto neste artigo, pretende-se observar a seguinte linha de raciocínio: na primeira parte, será apresentada a estrutura de uma sentença judicial dando destaque a fundamentação como fonte esclarecedora das razões dos indivíduos; após, apresentar-se-á os moldes da luta por reconhecimento honnethiana por meio da dimensão de reconhecimento dos “direitos”; por último, será demonstrado a conclusão deste trabalho em que será identificada a importância, ou não, de se fundamentar uma sentença judicial tomando-se como base a teoria do reconhecimento para a formação de sujeitos dotados de autorrealização.
1 HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo, v. 1 e 2. Tradução de Flávio Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
2 HILÁRIO, Leomir Cardoso; CUNHA, Eduardo Leal. Michel Foucault e a Escola de Frankfurt: Reflexões a Partir da Obra Crítica do Poder, de Axel Honneth. Scientific Electronic Library Online,
dezembro de 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/trans/a/QBt8fwkpdLdmhgqc8HbVdrK/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 03 dez. 2021.
2.DESENVOLVIMENTO
- Fundamentação das decisões judiciais
Assim como o relatório e o dispositivo, a fundamentação é basilar diante das decisões que versem sobre as questões de mérito ou incidentais, traduzida no artigo 489, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil, artigo 20 da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, e, no artigo 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
No universo jurídico, a justificativa da necessidade de fundamentação das decisões judiciais se dá para as partes do processo, em especial, ao sucumbente que para a formulação de eventual recurso deverá utilizar como paradigma as razões da decisão, e então realizar a impugnação de forma específica. Há, também a justificativa de que é imprescindível para que o futuro órgão competente para análise recursal possa analisar o acerto ou equívoco, perante o caso concreto, na interpretação e aplicação da lei na decisão judicial. E, por último, a justificativa política traz a importância em evidenciar a probidade, lisura, imparcialidade e idoneidade do julgador, o que por consequência, implica a legitimação política da decisão judicial.3
Entende-se que o legislador deu tratamento especial a fundamentação das decisões judiciais com o objetivo de estabelecer parâmetros vinculantes do porquê de seu dispositivo, bem como dificultar a concretização de aspirações pessoais do julgador. Isto é, cabe ao julgador a obrigação de exteriorizar as razões de suas convicções com a demonstração concreta do raciocínio fático e jurídico que desenvolver para aplicar a subsunção do fato à norma em sua decisão.
Apesar das restrições impostas à atuação do julgador, a decisão judicial continua a ter aspectos discricionários os quais permitem a aplicação de convicções intimas do magistrado, exceto os julgamentos dos tribunais superiores dotados de eficácia vinculante.
Isso se dá, pois nenhuma lei é moldada especificamente a cada caso concreto, de modo que cabe ao juiz interpretar o fato narrado e disposição da lei para então aplicá- la. É aqui onde encontra-se a discricionariedade do julgador, porque por mais que seja criado parâmetros objetivos para a aplicação da lei, com as respectivas ressalvas, nenhum conflito será semelhante ao outro. Além disso, observa-se que o ato de interpretar é naturalmente humano o que significa considerar a influência de aspirações pessoais na formação de eventual cognição exauriente.
- Consequencialismo diante das decisões judiciais
O artigo 20 da LINDB trouxe a tese consequencialista4 ao universo imperativo da lei quando tratou a obrigação do magistrado em observar as consequências práticas de sua decisão, bem como, em seu parágrafo único, que seja demonstrado a necessidade e a adequação da solução jurídica eleita em virtude das consequências práticas identificadas. Com isso, não basta apenas fundamentar o dispositivo da decisão, mas como também que seja demonstrado o raciocínio trilhado para a escolha de determinada solução jurídica considerando quais são suas consequências fáticas diante do caso concreto.
Nesse sentido, a análise das consequências práticas deverá ser feita pelo julgador através do juízo de necessidade e adequação devidamente demonstrado nos fundamentos da decisão.
O juízo de adequação consiste em avaliar se os meios determinados permitem que a finalidade pretendida seja alcançada. Há, portanto, uma análise de compatibilidade entre o fim almejado e os meios disponibilizados para sua respectiva persecução. De tal modo, a falta da demonstração quanto aos efeitos práticos de uma decisão significa violar princípios como o da proporcionalidade-adequação.
Já o juízo de necessidade corresponde à identificação do meio que, dentre aqueles identificados como adequados, gera a menor restrição possível ao alcance da finalidade. Desse modo, para que haja o juízo de necessidade pressupõe-se anterior avaliação do juízo de adequação, devendo o julgador tomar em vista os efeitos causados pelas diversas alternativas decisórias, sendo obrigatório escolher aquela que acarretar as restrições menos intensas aos interesses e valores em jogo.5
Nesse sentido, portanto, percebe-se que a necessidade de que as decisões judiciais sejam fundamentadas é inerente ao Estado Democrático de Direito, pois se apresenta como uma garantia fundamental contra o arbítrio de convicções pessoais, bem como um direito a fundamentação adequada ao caso concreto, além de também honrar o princípio do devido processo legal, visto que um processo justo não é compatível com a livre discricionariedade jurisdicional.
- Teoria Crítica do direito
Tendo Honneth como expoente da terceira geração, a teoria Crítica surgiu na Escola de Frankfurt com o objetivo de entender as contradições da então razão técnica- instrumental que prevalecia no início do século XX. Tem-se por contradições, pois o ideal iluminista formulou a teoria Crítica tradicional vislumbrando um meio para a emancipação da humanidade através de técnicas e instrumentos que estabeleçam direitos políticos e igualdade material, porém trouxe consigo o esquecimento dos indivíduos quanto aos motivos que os levavam a aplicar determinadas atitudes instrumentalizadas, ou seja, perdeu-se em si a essência de um pensamento crítico.
Em 1937, Horkheimer, no seu ensaio “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” definiu a teoria Crítica como uma social orientada para criticar e mudar a sociedade como um todo em contraste com a teoria tradicional orientada apenas para compreendê-la ou explicá-la 6 . Isto é, para a razão técnica-instrumental, representada pela teoria tradicional, basta que compreenda a sociedade em valores e normas em si para então aceitá-la, sem que haja então reflexões sobre a mutabilidade dos valores morais de toda a coletividade. Horkheimer, portanto, estabeleceu críticas a este modelo de ciência, pois entendeu que a pura aceitação de algo não traria consigo a emancipação dos seres humanos, pelo contrário, os aprisionaria em um ciclo de reprodução sem pensamento crítico, este modelo veio a ser apresentado como positivismo lógico.
Uma vez que o positivismo tenha abraçado diversos campos da ciência, não seria diferente do direito. Por isso, na esfera jurídica ele foi denominado como juspositivismo que é objeto de discussão pela teoria Crítica na qual se questiona a necessidade de observar o formalismo. Pois, por essa característica entende-se que a ótica do jurista é puramente tecnicista, esquecendo-se de examinar o litígio sob os aspectos crítico, transformador e de justiça material.
Para a Escola de Frankfurt, portanto, a fundamentação de uma decisão judicial não deve ser vista pelo julgador como ato de mera formalidade processual, mas sim, como meio de exercer em seus liames subjetivos a análise crítica sobre o conflito ali posto, para então, aplicar de modo transformador o que se considera como justo no aspecto material. Pois, sua não observância significa justamente a possibilidade de o Estado- Juiz proporcionar aos jurisdicionados determinada experiência de desrespeito em relação a esfera do direito, ensejando o que Honneth descreve como lutas por reconhecimento.
- Teoria do reconhecimento de Honneth
De início ressalta-se que neste tópico será abordada a teoria do reconhecimento pelo ponto de vista honnethiano, pois ela traz consigo a distinção de três dimensões do reconhecimento, dentre elas a esfera do direito que é um dos pilares da análise em questão.
Conforme demonstrado na introdução, Honneth em sua obra “Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais”7 elabora uma teoria crítica da sociedade a partir do estudo de uma categoria singular, o reconhecimento. De acordo com a lógica honnethiana, o indivíduo apenas se enxergará como sujeito social de forma a desenvolver sua própria persona quando, em uma relação entre dois indivíduos, ele possa reconhecer si próprio no outro, e vice-versa.
Honneth aponta que o progresso moral da sociedade se dá a partir da ampliação das relações de reconhecimento, de modo que a cada reconhecimento conquistado [cura de uma dor social] será formado um patamar de reconhecimento, pois é automaticamente fixado como patrimônio da coletividade, de onde não há que se falar em regressão. Aqui é interessante fazer um parêntese a sociedade brasileira, visto que além de haver certa proteção perante a normativa social de impossibilitar o regresso, há também, a previsão constitucional de vedação ao retrocesso dos direitos e garantias fundamentais [para Honneth verdadeiros patrimônios da coletividade] que por consequência conferem proteção constitucional.
O autor estabelece que uma relação sem o reconhecimento entre os sujeitos é o definido como reificação. Honneth reformula as teses de Lukács acerca da reificação marxista através da propositura de se enxergar as relações como não econômicas, ou seja, em que o uso da mão-de-obra resta ausente na relação intersubjetiva dos indivíduos, do qual para sua conjectura são aproveitados os conceitos lukacsianos sobre “indiferença” e “contemplação”8.
Honneth define como “contemplação”, uma atitude dos sujeitos de observação indulgente e passiva. Já quanto a “indiferença”, quando o sujeito agente não é afetado acontecimentos do outro, de modo que se relaciona com ausência de qualquer tipo de interesse ou engajamento. Assim, a dialética honnethiana avança em sua teoria de reconhecimento possibilitando a identificação de quando há o reconhecimento ou reificação dentro de uma relação entre indivíduos.
Por conseguinte, Honneth em sua teoria defende que o reconhecimento se dá através de três esferas distintas e independentes entre si, sendo, o amor, o direito e a eticidade ou solidariedade social, dos quais são derivadas três experiências psicológicas positivas da relação do indivíduo consigo mesmo, cito, a autoconfiança, o respeito próprio e a autoestima, respectivamente. De outro prisma, indo além, o autor identifica as contrapartes das experiencias positivas, nas quais são qualificadas como verdadeiras existências de concepções negativas de reconhecimento que surgem a partir da experiência do desrespeito ou de violência contra a dignidade da pessoa humana, tais como, os assédios, a violência, a invasão de privacidade e o constrangimento na esfera do amor; a violação de direitos e a exclusão na esfera do direito; a degeneração da reputação e a desonra moral direta na comunidade de valores.
De acordo com a dialética honnethiana, as experiências de desrespeito podem ser notadas quando o indivíduo expressa reações emocionais de vergonha, momento em que podem se tornar o gatilho de uma determinada luta por reconhecimento, desde que este indivíduo aceite externalizar suas dores. Ocorre que por vezes isso não ocorrerá, pois ele se encontra diante de alto grau de sofrimento e humilhações, do qual apenas se dissolve pelo próprio indivíduo na medida em que ele passa a obter ou reaver sua autorrealização consigo mesmo. Desse modo, como solução para que ele reavenha tal práxis, cabe àqueles já reconhecidos nas três esferas legitimarem seu acesso a uma ação ativa.
Dentre as três esferas de reconhecimento, destaca-se o direito como aquela capaz de compreender os momentos em que determinadas experiencias de desrespeito sejam oportunas a serem fixadas como patrimônio da sociedade. Isto é, será Balicerçado na análise de cada episódio de desrespeito que o direito poderá vir a efetivar conquistas das lutas por reconhecimento.
- Direito em Honneth
Honneth explica o direito como uma forma de reconhecimento inversa, de modo que o indivíduo apenas se enxerga como detentor de direitos quando observa os demais submetidos as mesmas obrigações, assim sendo reconhecido como autônomo e moralmente imputável. Ou seja, as pretensões individuais de reconhecimento perpetuadas diante das relações jurídicas devem ter tratamento isonômico quando levadas a apreciação das instituições estatais, sob pena de reproduzir experiências de desrespeito aos seus cidadãos.
Ao se deparar com o desrespeito na esfera do direito, Honneth pontua que não há experiência negativa em uma sociedade onde ambos os indivíduos são legítimos para terem suas razões assistidas, por outro lado, torna-se negativa quando uma parte dessa relação passa a ter privilégios socialmente injustificado em face do outro. Isso se dá, pois ao tomar ciência de que suas pretensões não estão sendo tratadas do mesmo modo, o outro passa a nutrir um sentimento de maior imputabilidade moral, já que diante da sociedade são tidos com o mesmo valor e, com as mesmas garantias de direitos, gerando assim, o desrespeito através da privação de direitos.
É definido, portanto, que o desrespeito vinculado ao direito implica efeito retroativo à autorrealização individual por causar frustração diante do sentimento de injustiça social, bem como prejudica diretamente a característica chave da esfera do direito, cito, o autorrespeito, visto que o indivíduo passa a não se enxergar respeitado pelas instituições de estado, de modo que culmina no sentimento de vulnerabilidade coletiva e menoridade de status perante àqueles privilegiados, afinal, para que haja privilégio tem que haver uma parte que prejudicada ou reduzida.
No entanto, apesar de perceber o direito como instrumento hábil a alavancar as lutas por reconhecimento, até então a perspectiva honnethiana não avista eventual potencial transformador das relações sociais mais igualitárias. Isto é, traduz o entendimento de que o direito não causa impactos nas demais esferas de reconhecimento, e, portanto, perpetua a atuação apenas dentro dos seus limites.
Apesar dessa visão, Honneth fornece as informações necessárias para a percepção de que o direito é apto a influenciar positivamente nas lutas por reconhecimento, pois quanto mais seu manuseio for efetivo melhores serão os impactos causados nas relações intersubjetivas, de modo a preceder suas mudanças em relação a evolução cultural da sociedade.
Em uma análise concreta, a efetivação do seu impacto restou demonstrada quando, o Supremo Tribunal Federal do Brasil, entendeu por permitir o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Ou seja, mesmo sabendo que a cultura da homofobia na sociedade brasileira se encontra arraigada em suas estruturas, o direito, por meio de suas instituições, antecipou-se em relação a superação dos preconceitos preexistentes na coletividade. Assim, mesmo que não seja reconhecido determinado valor social, o direito pode sub-rogar-se às outras esferas de reconhecimento [amor e solidariedade] e proibir que os atos de desrespeito continuem sendo perpetrados, estabelecendo ordenamentos através do império da lei, ou da vinculação de julgados dos tribunais superiores.
3 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil: volume único, página 186. Editora Juspodvim, 12 ed., 2020.
4 CHRISTOPOULOS, Basile Georges Campos. Argumento consequencialista no direito. Revista Eletrônica do Mestrado em Direito da UFAL, fevereiro de 2015. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/rmdufal/article/view/2061. Acesso em: 05 dez. 2021.
5 PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais, consequências práticas e o art. 20 da LINDB, novembro de 2019. Disponível em: https://www.academia.edu/40649712/Fundamenta%C3%A7%C3%A3o_das_decis%C3%B5es_judicia is_consequ%C3%AAncias_pr%C3%A1ticas_e_o_art_20_da_LINDB. Acesso em: 6 dez. 2021
6 CARNAÚBA, Maria Érbia Cássia. Sobre a distinção entre teoria tradicional e teoria crítica em Max Horkheimer. Kínesis, Revista de Estudos dos Pós-Graduandos em Filosofia, abril de 2010. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/4345. Acesso em: 7 dez. 2021.
7 Honneth, Axel. Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003.
8 Honneth, Axel. Reificação: Estudos de teoria do reconhecimento. Trad. Rúrion Melo. São Paulo: UNESP, 2019.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que a luta por reconhecimento engatilhada pelas experiências de desrespeito possui verdadeiro potencial para gerar efeitos transformadores nas lutas sociais, em especial, quando realizadas no campo do direito através da devida fundamentação das decisões judiciais.
No entanto, o próprio universo jurídico, conforme demonstrado anteriormente, apresenta obstáculos para a efetiva exploração desse potencial, pois, através de suas normas, justifica o dever de fundamentação com o objetivo de observância dos aspectos formais no curso processo judicial, tal como definir o que vai ser enfrentado pelo sucumbente e, analisado pelo colegiado, além de também delimitar os aspectos políticos da decisão judicial que visa demonstrar as qualidades do julgador. Dessa forma, o direito se esquece que foi idealizado para atender os interesses dos seus jurisdicionados, e não, os procedimentais. Ou seja, a fundamentação deve evidenciar, principalmente, os motivos dentro do caso concreto de o que justifica a razão do direito de uma parte e sua ausência a outra, para que então, seja proporcionado a oportunidade de os sujeitos alcançarem sua própria autorrealização.
Nota-se a notória importância da teoria do reconhecimento de Honneth já que as lutas por reconhecimento estão efetivamente adentrando as instituições jurídicas do Brasil, tendo, além do casamento homoafetivo outros exemplos dessas lutas que culminaram na fixação em patrimônio coletivo, tal como o recente reconhecimento de imprescritibilidade do crime de injúria racial no Brasil, pois passou a se enquadrar no mesmo nível de gravidade que o crime de racismo. Ou seja, a teoria de Honneth, se encontra apta a ser utilizada pelo Poder Judiciário brasileiro, o exemplo disso é que ela já pode ser observada no cotidiano jurídico dos juízos e tribunais.
Nesse sentido, como as lutas por reconhecimento desaguam em grande parte sobre o judiciário, faz-se necessário entender sua importância como base da fundamentação das decisões judiciais, significando não a aplicação de sua literalidade, mas sim, através dos moldes da teoria do reconhecimento, de modo que para o sujeito se enxergar como social o fundamento da decisão deve deixar de ser um ato de formalidade e, então ser o momento em que se é demonstrado, no processo judicial, o grau de afetação atingido pelo juiz diante das dores do jurisdicionado. Pois, se, por um lado, a CRFB exige dos juízes que fundamentem as suas decisões, por outro lado a ela confere aos jurisdicionados um direito à fundamentação. Não se trata, portanto, de um direito a uma fundamentação qualquer, mas de um direito fundamental a uma fundamentação adequada ou legítima. É neste ponto que a filosofa de Honneth converge com o universo jurídico propriamente dito.
Dessa forma, neste ponto de convergência, o direito – filosófico e jurídico – resta hábil a conceder ao indivíduo experiências positivas de autoestima [solidariedade], autorrespeito [direito] e autoconfiança [amor], pois quando levada alguma pretensão individual para ser solucionada pelas instituições jurídicas, a saber o Poder Judiciário, espera-se que o mérito da lide seja solucionado pela parte dispositiva da sentença em que se declara à quem assiste razão e, assim proporcionando a ambos sujeitos da relação processual momento de autorrespeito. Até então, o raciocínio demonstrado é notório, ou seja, o direito concedendo experiências típicas da sua esfera, porém, com base na fundamentação de uma decisão judicial é que as demais esferas de reconhecimento poderão ser manifestadas. Pois, somente quando o juiz se investe na posição do jurisdicionado diante do seu respectivo conflito, é que ele poderá ser afetado pela dor do outro de modo a melhor diagnosticar a dimensão de suas dores visando formular uma fundamentação que respalde as soluções apresentadas as partes através do revestimento por sentença judicial, como também identificar aquelas que podem se apresentar mais eficazes no caso concreto.
Além disso, a forma como qual o magistrado demonstra seu raciocínio cognitivo acerca da pretensão individual levada pelo jurisdicionado está diretamente ligada à intensidade de afeto com a qual foi atingido. Isto é, a fundamentação traduz o nível de afetação atingido no caso concreto, de modo que será exatamente através dessa atitude intersubjetiva do julgador, caracterizada por sua participação ativa e pelo envolvimento existencial em contraste com a mera contemplação e indiferença9, que será feito o devido reconhecimento social do indivíduo. Além disso, com a fuga do agente ativo [juiz] da zona cognitiva onde são realizadas fundamentações por mera formalidade processual a fim de que busque a melhor solução da lide, fará com que, por consequência, seja evitado o fenômeno da reificação.
Assim sendo, repara-se que a fundamentação possui verdadeiro potencial em acolher a dor do indivíduo gerada pelo desrespeito a sua honra ou dignidade, isto é, pode demonstrar que suas pretensões individuais estão sendo analisadas individualmente, e não, coletivamente, de modo a fazer, através do publicização da sentença, com que a sociedade o reconheça como sujeito social detentor de iguais direitos e deveres, permitindo-o sentir uma experiência positiva de autoestima. Em linha paralela, ao considerar que o reconhecimento na esfera do amor é formado quando numa relação entre dois sujeitos ambos se reconhecem como independentes e autônomos entre si, sua contraparte, portanto, surge com a ruptura dessa relação qualitativa manifestando-se através de experiências de desrespeito na forma de maus tratos, violações ou constrangimento, de modo que caso seja levado à análise judiciária, a fundamentação contida na decisão judicial de mérito poderá ratificar as decisões dos indivíduos que os impulsionaram a apresentar suas pretensões individuais perante o estado-juiz. Assim, pode-se considerar que, a título exemplificativo, nos casos de violência doméstica a fundamentação da sentença resta apta em proporcionar a vítima, a certeza de que agiu corretamente em sua tomada de decisão individual de romper o relacionamento abusivo onde se encontrava e, portanto, devolver gradativamente sua autoconfiança por meio da superação do conflito qual estava submetida.
Conclui-se, assim, que a fundamentação de uma decisão judicial quando utilizada dentro do que foi proposto na filosofia do reconhecimento honnethiana poderá permitir ao Estado-Juiz proporcionar diversas experiências positivas de reconhecimento aos seus jurisdicionados, de modo que possam se enxergar como um sujeito social na medida em que forem alcançando determinado nível de autorrealização. Pois, além de ser um direito fundamental garantido pela carta magna, é através da fundamentação de uma sentença judicial realizada sob o aspecto individualizado dentro do caso concreto que o indivíduo consegue obter a certeza de haver, ou não, razão em seu pleito, bem como emana à sociedade traços daquilo que pode se tornar o estopim de um movimento coletivo pautado na luta por reconhecimento transindividual.
4.REFERÊNCIAS
CARNAÚBA, Maria Érbia Cássia. Sobre a distinção entre teoria tradicional e teoria crítica em Max Horkheimer. Kínesis, Revista de Estudos dos Pós-Graduandos em Filosofia, abril de 2010. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/4345. Acesso em: 7 dez. 2021.
CHRISTOPOULOS, Basile Georges Campos. Argumento consequencialista no direito. Revista Eletrônica do Mestrado em Direito da UFAL, fevereiro de 2015. Disponível em: <https://www.seer.ufal.br/index.php/rmdufal/article/view/2061>. Acesso em: 05 dez. 2021.
HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo, v. 1 e 2. Tradução de Flávio Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
HILÁRIO, Leomir Cardoso; CUNHA, Eduardo Leal. Michel Foucault e a Escola de Frankfurt: Reflexões a Partir da Obra Crítica do Poder, de Axel Honneth. Scientific Electronic Library Online, dezembro de 2012. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/trans/a/QBt8fwkpdLdmhgqc8HbVdrK/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 03 dez. 2021.
Honneth, Axel. Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003.
Honneth, Axel. Reificação: Estudos de teoria do reconhecimento. Trad. Rúrion Melo. São Paulo: UNESP, 2019.
MELO, Rúrion. Reificação e reconhecimento: um estudo a partir da teoria crítica da sociedade de Axel Honneth. Ethic@, Revista Internacional da Filosofa Moral, v.
9 n. 2, maio de 2010. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/article/view/1677-2954.2010v9n2p231>. Acesso em: 13 dez. 2021.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil: volume único, página 186. Editora Juspodvim, 12 ed., 2020.
5.SUGESTÕES DE LEITURA SOBRE O TEMA
PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais: o controle da interpretação dos fatos e do direito no processo civil. Revista dos tribunais, 2019.
VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Introdução ao pensamento de Hegel: Tomo I: a fenomenologia do Espírito e seus antecedentes. São Paulo: Loyola, 2020.
LUKÁCS, György. O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista. São Paulo: Boitempo, 2018.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Rio de Janeiro: Vozes, 9 ed., 2014.
SILVA, Luciano Braz da. A luta por reconhecimento no Estado Democrático de Direito: perspectivas da filosofia de Habermas para efetividade da democracia e dos direitos humanos. Revista direitos humanos e democracia, julho de 2013. Disponível em:
<https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia/article/vie w/1056>. Acesso em: 02 dez. 2021.
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002.